São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010

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CRÍTICA PEÇA

O'Neill opera na dificuldade humana em encarar verdade

Edusp publica duas obras teatrais do autor norte-americano (1888-1953)


O LEITOR ACESSA OS PENSAMENTOS INTERIORES DOS PERSONAGENS, PARA ALÉM DE SUAS FALAS, O QUE TORNA QUALQUER ENCENAÇÃO UM DESAFIO E TANTO


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A luta inglória do drama modernista pela verdade. "Estranho Interlúdio" e "Piedade Cruel", duas das principais peças de Eugene O'Neill, são exemplares da profundidade de prospecção do genial dramaturgo norte-americano nos mistérios da alma humana.
"Estranho Interlúdio", escrita e encenada pela primeira vez em 1928, é a mais representada das peças de O'Neill, rendeu-lhe o primeiro dos quatro prêmios Pulitzer que venceu e o tornou um homem rico, depois que 100 mil exemplares da sua edição em livro foram vendidos.
O desempenho editorial digno de um romance estaria associado a uma trama que se desenvolve ao longo de mais de 20 anos, em nove atos e com quatro de seus oito personagens atravessando profundas transformações nesse arco de ação.
Já o sucesso nos palcos surpreende, diante da inovação radical de sua forma dramática.

HIATO
Em quase todas as cenas, o leitor acessa os pensamentos interiores dos personagens, para além de suas falas diretas, o que torna qualquer encenação um desafio e tanto.
O leitor acessa o hiato entre o que os personagens dizem e o que pensam secretamente, o que os torna quase monstruosos perante ele, por revelarem suas fraquezas e mesquinharias sem a censura que se permitem quando dialogam entre si.
Não escapa a quem conheça a dramaturgia de Nelson Rodrigues que, principalmente nas suas peças míticas, é como se os personagens adquirissem o despudor de dizer o que as criaturas de O'Neill só ousam professar para si próprias.
A apresentação do tradutor, Alípio Correia de Franca Neto, oferece elementos para uma fruição rica dessa obra rara.

ILUSÃO NECESSÁRIA
A outra peça, "Piedade Cruel", é característica da última fase da dramaturgia de O'Neill, em que Raymond Williams reconhece um retorno ao projeto do naturalismo histórico e a seu anseio de revelação de uma verdade última. Escrita em 1939, foi encenada pela primeira vez em 1946.
O tradutor, Adriano de Paula Rabelo, optou por verter o título original -"Iceman Cometh"-, que numa aproximação literal à realidade brasileira seria algo como "o leiteiro chegou", por uma expressão que sintetiza o sentido geral do texto.
Os seres humanos envoltos em suas próprias ilusões devem se resguardar do olhar piedoso que, ao compreender suas incapacidades de enfrentarem a dura realidade, os condena a viver na mentira permanente.

FARSAS
Com uma estrutura tradicional, com as unidades de lugar e de tempo unificando a ação dramática, a peça antecipa o apogeu do dramaturgo em "Longa Jornada Noite Adentro", escrita um ano depois.
Aqui um caixeiro viajante alcoólatra reencontra em um hotel barato o bando de desajustados com quem, anualmente, festeja o aniversário do dono da espelunca.
Dessa vez ele chega para desmontar a farsa que cada um deles criou para si mesmo a fim de não encarar a vida de frente.
O efeito dessa intenção regeneradora é desastroso e a única verdade que vem à tona, de fato, é a que explica as razões que levaram o caixeiro a essa atitude moral. Como na outra peça, a verdade aparece como uma impossibilidade, já que sua revelação desata uma força destruidora.

PIEDADE CRUEL

AUTOR Eugene O'Neill
EDITORA Edusp
TRADUÇÃO Adriano de Paula Rabelo
QUANTO R$ 40 (272 págs.)

ESTRANHO INTERLÚDIO

AUTOR Eugene O'Neill
TRADUÇÃO Alípio Correia de Franca Neto
EDITORA Edusp
QUANTO R$ 44 (320 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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