São Paulo, sexta, 11 de dezembro de 1998

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POLÊMICA
História vai render livro
Criação de galerista vira caso policial

PATRICIA DECIA
da Reportagem Local

A criação de um personagem fictício que se correspondeu, durante nove semanas, com 163 homens, transformou-se num caso de polícia, rendeu ao galerista paulista Fábio Cimino a acusação de "perturbação do sossego" e movimentou o mercado de artes plásticas em São Paulo neste mês.
Dois banqueiros (que não querem se identificar) estavam entre os destinatários das cartas de Pedro Pedra, alter ego de Cimino que se identificava como um antigo amigo tentando reatar a amizade.
No entanto, os banqueiros enxergaram nos textos "insinuações homossexuais e ameaçadoras" e deram queixa no 34º DP, no bairro do Morumbi (zona oeste de SP).
Cópias de nove cartas foram enviadas entre setembro e novembro deste ano aos 163 amigos e conhecidos de Cimino. Escritas em tom de intimidade, elas tratavam de problemas de prisão de ventre, terapia, viagens, dúvidas existenciais e continham, por exemplo, o relato de quando Pedro encontrou seu filho transando com a empregada.
Outros destinatários das cartas eram o titã Nando Reis, Tomás Larente, da agência de propaganda DM-9, o artista plástico Ivald Granato, o colecionador Fábio Faissal, o editor Charles Cosac e Wagner Gataz, presidente da Associação dos Psiquiatras do Brasil.
As cartas, enviadas sempre em envelopes azuis, continham no remetente o número de uma caixa postal na agência dos Correios em Pinheiros (zona oeste de SP). A idéia de Cimino era receber respostas a Pedro Pedra, e, após enviar dez cartas, publicar um livro epistolar contando a história.
Depois de investigar por cerca de um mês, segundo o delegado Edivaldo Faria, a polícia descobriu que a caixa postal de Pedro Pedra pertencia a Cimino. No dia 6 de novembro, quatro policiais civis foram à galeria Brito Cimino, no Itaim, e intimaram o galerista a prestar depoimento.
"O meu intuito era conversar com as pessoas, visava a interação com o incógnito. Tive as mais diferentes reações. Gente que recebia as cartas, xerocava e mandava para mais pessoas. Outros discutiam com amigos, que também recebiam as cartas, quem seria o Pedro Pedra", conta Cimino.
Porém uma outra visão está no boletim de ocorrência, segundo o qual as cartas possuíam "textos ambíguos contendo conotações sexuais e referências à morte".
Como exemplo são citadas as frases "Espero te encontrar com o Todo Poderoso" e "O que é a morte? O que é a vida?", ambas retiradas da carta de "dúvidas existenciais" de Pedro Pedra.
Dois outros pontos também pesaram. Numa carta, Pedra afirma ter pescado "um robalo de 43 quilos". Esse seria exatamente o peso do filho de um dos banqueiros. Em outra carta, Pedra afirma que está tirando férias e irá visitar o destinatário da carta, frase tida como a prova de que ele estaria se aproximando da família.
O temor provocado pelas cartas provocou a vinda da mãe de um dos banqueiros do Rio de Janeiro para São Paulo. De acordo com o boletim de ocorrência, ela ficou um dia inteiro vigiando a caixa postal de Pedra.
"Isso é muito triste. O Pedro Pedra acabou invadindo a casa dessas pessoas que nunca são invadidas, que têm grade na porta e carro blindado. Peço desculpas para quem se sentiu ameaçado ou incomodado, mas o Pedro Pedra foi criado para o bem", afirmou.
A advogada de Cimino, Sônia Rao, acredita que ele não será processado. "Não houve intenção de perturbar o sossego, foi apenas um mal-entendido", afirmou.



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