São Paulo, Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2000


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ARTES VISUAIS
MoMA resume o começo do moderno

Reprodução
"Noite Estrelada", de Van Gogh, é o eixo de "Places" (Lugares), na megamostra "Modern Starts" (Começa o Moderno), do MoMA


AMIR LABAKI
em Nova York


Nem o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York resistiu a apresentar seu balanço artístico do século 20. Se há polêmica, e das boas, sobre a leitura do Whitney Museum, que em duas megaexposições tenta provar ter sido este "O Século Americano", menos problemático parece ser discuti-lo como a era da arte moderna -não por coincidência o foco do acervo do MoMA.
Três exposições, quase simultâneas, ocupam no momento o museu. "People" (Gente), "Places" (Lugares) e "Things" (Coisas) complementam-se formando "Modern Starts" (Começa o Moderno), a primeira das três grandes séries de exposições do projeto MoMA 2000. John Elderfield e Peter Reed assinam como os principais curadores desta primeira rodada.
Durante 17 meses, contados a partir de outubro último, o museu apresenta uma espécie de curso intensivo sobre a história da arte moderna, a partir de mostras baseadas em sua insuperável coleção própria. Não há novidades para os visitantes recorrentes de suas galerias, mas a presente reorganização em novos recortes de várias de suas principais obras cumpre inequivocamente a intenção didática do projeto.
A tripla divisão de "Começa o Moderno" desenvolveu-se a partir de três das atrações maiores do acervo referente ao período privilegiado pelo ciclo, de maneira geral entre 1880 e 1920. "Gente" gira em torno de "Les Demoiselles d'Avignon" ("As Senhoritas de Avignon", 1907), de Pablo Picasso; "Lugares", de "The Starry Night" ("Noite Estrelada", 1889), de Vincent Van Gogh; por fim "Coisas", do pioneiro "ready made" "Bicycle Wheel" ("Roda de Bicicleta", 1913), de Marcel Duchamp.
São obras icônicas da desconstrução da figura humana, da libertação da paisagem da viseira naturalista e da transformação em escultura dos objetos cotidianos, movimentos essenciais ao debate central de cada exposição.
Picasso reina como o artista supremo do período, ainda que os marcos temporais do ciclo tenham deixado de fora mais de metade de sua prolífica e mutante atividade. É o único artista representado nas três mostras, sempre com participação decisiva.
Sua revolução cubista marca "Gente" ("Demoiselles") e "Coisas" ("A Mesa do Arquiteto", 1912, em que joga com o próprio formato da tela, fazendo-a oval como muitas mesas de centro, tensionando ainda mais a decifração dos elementos fragmentados). Já em "Lugares", ei-lo reformatando paisagens a partir de formas crescentemente simplificadas ("Casa na Colina", 1889).
"Gente", no segundo andar do museu, e "Lugares", no terceiro, vão mais longe na multiplicação de leituras propiciada pelos novos recortes do acervo. "Coisas", no térreo, reagrupa suas obras de forma mais óbvia. Paradoxalmente, sendo restrita ao espaço mais acanhado, é a mostra que trabalha com o mais amplo universo, de telas a objetos de design, de cartazes a mobiliário.
A representação da figura humana na aurora da arte moderna, em telas, fotos e esculturas, está em "Gente". Frisando a permanência da discussão para além do período 1880-1920, a entrada da exposição ostenta um desafiador mural realizado por Sol LeWitt em 1975, formado por arcos e linhas brancas sobre uma parede negra. Abstrato e figurativo se confundem, reorganizando incessantemente os elementos a cada olhada. É a mais bela e inteligente introdução ao trio de mostras.
"Gente" prossegue tratando, em "Composição com a Figura", das relações redefinidas entre a figura e o fundo (Vuillard), e, em "Compondo a Figura", das variadas estratégias para sua desconstrução (Bonnard, Picasso). "Atores, Dançarinos e Banhistas" surgem como personagens privilegiados deste processo (Cézanne e Matisse à frente).
"Poses Não Posadas" estuda a evolução da fotografia, de pioneiros obrigatórios como Julia Margaret Cameron e Roger Fenton até nossos contemporâneos Weegee e Cartier-Bresson. A rotina é quebrada pelo desconcertante retrato em série "The Brown Sisters" (As Irmãs Brown), em que Nicholas Nixon reúne 25 fotos delas reunidas, tiradas anualmente entre 1975 e 1999, com ênfase na lenta erosão da juventude de seus rostos. É um dos mais perturbadores estudos fotográficos sobre o enigma da face.
A grande sacada da curadoria de "Gente" é revelar a incrível semelhança entre as obras de dois artistas do final do século 19, o belga James Ensor (1860-1949) e o mexicano José Guadalupe Posada (1852-1913). Uma pequena sala basta para provar o parentesco de suas obras grotescamente satíricas, povoadas por demônios e esqueletos. Nota: Ensor e Posada jamais se conheceram.
As horrendas corbelhas de plásticos (Maria Fernanda Cardoso) que abrem "Lugares" são logo perdoadas ao adentrar-se a magistral sala "Seasons & Moments" (Estações e Momentos). A ciranda anual do clima é cantada em rimas plásticas entre Monet e Miró, Kandinsky e Twombly. Nada que se segue arrefece este impacto inicial.
"Lugares" trata da representação do espaço, real ou imaginário, e da transição do campo para a cidade. Os impressionistas dominam "Changing Visions" (Visões em Transformação), ainda que já sob a companhia da lente de Lartigue, verdadeiro precursor de Cartier-Bresson.
Numa feliz idéia, uma sala específica trata o design "Art Nouveau" de Hector Guimard como uma harmônica resistência à urbanização. O curador Peter Reed acerta na mosca: "Guimard criou interiores fantasmagóricos que evocavam o mundo natural e serviam não apenas como um retiro do cotidiano urbano, mas também como antídoto para estilos de retomadas históricas".
"Coisas", por fim, é o reino dos objetos, reais ou representados. Na entrada, o divertido vídeo em que Martha Rosler denuncia a escravização da dona de casa pelos rotineiros utensílios de cozinha promete uma sofisticação logo negada.
Sucedem-se um anúncio de cigarros, uma cadeira de Frank Lloyd Wright, um candelabro de Tiffany, uma guitarra segundo Le Corbusier. O elo é evidente e superficial.
Mas eis que irrompe do teto um móbile "avant la lettre", sob a forma dos anéis articulados da "Construção Espacial Número 12" de Rodchenko (1920). Concretiza-se, assim, um misterioso símbolo para aquela nova era, trazendo em si a essência utópica essencial à arte moderna.
É seu apogeu e queda que o MoMA nos promete revisitar nas próximas mostras do ciclo. "Making Choices" (Fazendo Escolhas) irá de março a setembro próximo. Começa então "Open Ends" (A Abertura Termina), que se estenderá até fevereiro já de 2001. E então o futuro já nos terá alcançado.


Avaliação:    



Mostra: Modern Starts - People, Places, Things Quando: People, até 1/2; Places e Things, até 14/3 Onde: MoMa, 11 West 53 Street, NY


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