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ARTES VISUAIS
MoMA resume o começo do moderno
Reprodução
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"Noite Estrelada", de Van Gogh, é o eixo de "Places" (Lugares), na megamostra "Modern Starts" (Começa o Moderno), do MoMA |
AMIR LABAKI
em Nova York
Nem o Museu de Arte Moderna
(MoMA) de Nova York resistiu a
apresentar seu balanço artístico
do século 20. Se há polêmica, e das
boas, sobre a leitura do Whitney
Museum, que em duas megaexposições tenta provar ter sido este
"O Século Americano", menos
problemático parece ser discuti-lo como a era da arte moderna
-não por coincidência o foco do
acervo do MoMA.
Três exposições, quase simultâneas, ocupam no momento o museu. "People" (Gente), "Places"
(Lugares) e "Things" (Coisas)
complementam-se formando
"Modern Starts" (Começa o Moderno), a primeira das três grandes séries de exposições do projeto MoMA 2000. John Elderfield e
Peter Reed assinam como os principais curadores desta primeira
rodada.
Durante 17 meses, contados a
partir de outubro último, o museu apresenta uma espécie de curso intensivo sobre a história da arte moderna, a partir de mostras
baseadas em sua insuperável coleção própria. Não há novidades
para os visitantes recorrentes de
suas galerias, mas a presente reorganização em novos recortes de
várias de suas principais obras
cumpre inequivocamente a intenção didática do projeto.
A tripla divisão de "Começa o
Moderno" desenvolveu-se a partir de três
das atrações maiores
do acervo referente
ao período privilegiado pelo ciclo, de maneira geral entre 1880
e 1920. "Gente" gira
em torno de "Les Demoiselles d'Avignon"
("As Senhoritas de
Avignon", 1907), de
Pablo Picasso; "Lugares", de "The Starry
Night" ("Noite Estrelada", 1889), de Vincent Van Gogh; por
fim "Coisas", do pioneiro "ready made"
"Bicycle Wheel"
("Roda de Bicicleta",
1913), de Marcel Duchamp.
São obras icônicas
da desconstrução da
figura humana, da libertação da paisagem
da viseira naturalista
e da transformação
em escultura dos objetos cotidianos, movimentos essenciais
ao debate central de
cada exposição.
Picasso reina como
o artista supremo do
período, ainda que os
marcos temporais do
ciclo tenham deixado
de fora mais de metade de sua prolífica e
mutante atividade. É
o único artista representado nas
três mostras, sempre com participação decisiva.
Sua revolução cubista marca
"Gente" ("Demoiselles") e "Coisas" ("A Mesa do Arquiteto",
1912, em que joga com o próprio
formato da tela, fazendo-a oval
como muitas mesas de centro,
tensionando ainda mais a decifração dos elementos fragmentados). Já em "Lugares", ei-lo reformatando paisagens a partir de
formas crescentemente simplificadas ("Casa na Colina", 1889).
"Gente", no segundo andar do
museu, e "Lugares", no terceiro,
vão mais longe na multiplicação
de leituras propiciada pelos novos
recortes do acervo. "Coisas", no
térreo, reagrupa suas obras de
forma mais óbvia. Paradoxalmente, sendo restrita ao espaço
mais acanhado, é a mostra que
trabalha com o mais amplo universo, de telas a objetos de design,
de cartazes a mobiliário.
A representação da figura humana na aurora da arte moderna,
em telas, fotos e esculturas, está
em "Gente". Frisando a permanência da discussão para além do
período 1880-1920, a entrada da
exposição ostenta um desafiador
mural realizado por Sol LeWitt
em 1975, formado por arcos e linhas brancas sobre uma parede
negra. Abstrato e figurativo se
confundem, reorganizando incessantemente os elementos a cada olhada. É a mais bela e inteligente introdução ao trio de mostras.
"Gente" prossegue tratando, em
"Composição com a Figura", das
relações redefinidas entre a figura
e o fundo (Vuillard), e, em "Compondo a Figura", das variadas estratégias para sua desconstrução
(Bonnard, Picasso). "Atores,
Dançarinos e Banhistas" surgem
como personagens privilegiados
deste processo (Cézanne e Matisse à frente).
"Poses Não Posadas" estuda a
evolução da fotografia, de pioneiros obrigatórios como Julia Margaret Cameron e Roger Fenton
até nossos contemporâneos Weegee e Cartier-Bresson. A rotina é
quebrada pelo desconcertante retrato em série "The Brown Sisters" (As Irmãs Brown), em que
Nicholas Nixon reúne 25 fotos delas reunidas, tiradas anualmente
entre 1975 e 1999, com ênfase na
lenta erosão da juventude de seus
rostos. É um dos mais perturbadores estudos fotográficos sobre o
enigma da face.
A grande sacada da curadoria
de "Gente" é revelar a incrível semelhança entre as obras de dois
artistas do final do século 19, o
belga James Ensor (1860-1949) e o
mexicano José Guadalupe Posada
(1852-1913). Uma pequena sala
basta para provar o parentesco de
suas obras grotescamente satíricas, povoadas por demônios e esqueletos. Nota: Ensor e Posada jamais se conheceram.
As horrendas corbelhas de plásticos (Maria Fernanda Cardoso)
que abrem "Lugares" são logo
perdoadas ao adentrar-se a magistral sala "Seasons & Moments"
(Estações e Momentos). A ciranda anual do clima é cantada em rimas plásticas entre Monet e Miró,
Kandinsky e Twombly. Nada que
se segue arrefece este impacto inicial.
"Lugares" trata da representação do espaço, real ou imaginário,
e da transição do campo para a cidade. Os impressionistas dominam "Changing Visions" (Visões
em Transformação), ainda que já
sob a companhia da lente de Lartigue, verdadeiro precursor de
Cartier-Bresson.
Numa feliz idéia, uma sala específica trata o design "Art Nouveau" de Hector Guimard como
uma harmônica resistência à urbanização. O curador Peter Reed
acerta na mosca: "Guimard criou
interiores fantasmagóricos que
evocavam o mundo natural e serviam não apenas como um retiro
do cotidiano urbano,
mas também como antídoto para estilos de retomadas históricas".
"Coisas", por fim, é o
reino dos objetos, reais
ou representados. Na
entrada, o divertido vídeo em que Martha Rosler denuncia a escravização da dona de casa pelos rotineiros utensílios
de cozinha promete uma
sofisticação logo negada.
Sucedem-se um anúncio de cigarros, uma cadeira de Frank Lloyd
Wright, um candelabro
de Tiffany, uma guitarra
segundo Le Corbusier. O
elo é evidente e superficial.
Mas eis que irrompe
do teto um móbile
"avant la lettre", sob a
forma dos anéis articulados da "Construção Espacial Número 12" de
Rodchenko (1920). Concretiza-se, assim, um
misterioso símbolo para
aquela nova era, trazendo em si a essência utópica essencial à arte moderna.
É seu apogeu e queda
que o MoMA nos promete revisitar nas próximas mostras do ciclo.
"Making Choices"
(Fazendo Escolhas)
irá de março a setembro próximo. Começa então
"Open Ends" (A Abertura Termina), que se estenderá até fevereiro
já de 2001. E então o futuro já nos
terá alcançado.
Avaliação:
Mostra: Modern Starts - People, Places,
Things
Quando: People, até 1/2; Places e
Things, até 14/3
Onde: MoMa, 11 West 53 Street, NY
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