VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Na passagem do grupo Berliner Ensemble pelo Brasil, três anos atrás, o ator alemão Martin Wuttke declarou que o seu personagem-título em "A Resistível Ascensão de Arturo Ui" exercia fascínio e era um bom "entertainer", a despeito do paralelo do gângster brechtiano com o líder nazista Adolf Hitler.
Pode ser uma deixa para o comediante Luiz Fernando Guimarães, que a partir de hoje protagoniza a peça de Bertolt Brecht (1898-1956) no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, em montagem dirigida por Moacir Chaves ("Bugiaria").
"O cara é um debochado, um escroto, mas também um sedutor", diz Guimarães, 51. A verve comediante, registro de interpretação que herdou do grupo Asdrubal Trouxe o Trombone (1974-83), vai ceder para o drama.
É o seu primeiro Brecht na carreira. "Não fiz antes porque não calhou", afirma Guimarães.
Arturo Ui é um gângster que domina o mercado de verduras na Chicago do início do século 20. Exerce o poder por meio de uma espécie de liderança intelectual da Máfia; barão capitalista que fomenta uma rede de corrupção.
A peça que Brecht escreveu em 1941, quando vivia no exílio, não perde sua atualidade. "Quando um sujeito faz um bom negócio, ele é considerado socialmente integrado. Mas o que é preciso para fazer um bom negócio? Ser esperto, passar a perna, muitas vezes destruir o outro, como rege a concorrência no sistema capitalista, que aceita essas regras com naturalidade", diz Moacir Chaves, 36.
Simbolicamente, o espetáculo é encenado no teatro que fica no térreo do prédio do CCBB. Ali, um pouco acima, funcionava a caixa-forte da instituição.
O cenário de Fernando Melo traz várias portas que não se fecham. Giram e, invariavelmente, anunciam a truculência de um invasor em uma loja ou escritório, por exemplo.
"Arturo Ui" é um projeto do ator Luís de Lima, que traduziu o texto em 70, na montagem que Augusto Boal dirigiu no teatro de Arena, em São Paulo, e agora faz o ator shakespeariano que ensina técnicas de interpretação (e persuasão) ao gângster.