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Em entrevista, Hilda Hilst revela que está escrevendo um novo livro, "O Koisa"
"A loucura une toda minha obra"
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir trechos de entrevista com a escritora Hilda Hilst.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - O comediante norte-americano Groucho Marx dizia que não
gostaria de frequentar nenhum
clube que o aceitasse como sócio.
Como você se sente "frequentando", com a reedição de sua obra pela Globo, um grande clube?
Hilda Hilst - Você sabe que quando vem tão tarde como veio, a
gente não sente muita alegria
mais. Se fosse aos 30 anos, quando eu era linda, aí eu podia entender, mas quando você já está velha, com 70 anos, fica tudo muito
sem graça. Mas, ainda assim, devo
dizer que fiquei surpresa. Eu nunca achei que iam me ler mesmo.
Não sei por quê. Tinha alguma
coisa grave que eu não podia explicar. Eu achava que eu escrevia
de modo simples e que era um absurdo não me entenderem.
Folha - Foi por isso que você começou a escrever, nos anos 90, as
obras "pornográficas", tidas como
mais fáceis?
Hilst - Achei que seria gostoso se
as pessoas rissem, porque nunca
riam de mim. E foi delicioso. Diziam que eu era difícil. Fizeram
até teses dificílimas sobre mim.
Esta semana mesmo veio aqui
uma moça e disse: "Puxa, a Hilda
Hilst mora aqui? Na Unicamp, ela
é considerada uma deusa".
Podem achar que sou deusa,
mas nunca ganhei nem grana,
nem título de notório saber, como
uma amiga minha. A única coisa
que ganhei na vida foram várias
tartarugas (estátua do Prêmio Jabuti). Queria mesmo era o Nobel.
Folha - Muitos artistas e escritores têm pudor em falar bem de seus
próprios trabalhos, mas você sempre exaltou a sua obra. Por quê?
Hilst - Sempre me achei impressionante. Tudo o que eu escrevo é
bom demais. Não sei por que dizem que não entendem nada.
Folha - Você relê seus livros?
Hilst - Ultimamente tenho relido
algumas coisas, principalmente
por causa das reedições.
Folha - Você se arrepende de algo
que escreveu? Você pediu para que
alguma de suas obras ficasse de fora de suas "Obras Completas"?
Hilst - Não, não tenho nenhum
texto renegado. Gosto de tudo.
Folha - E qual o que você tem
mais prazer em reler?
Hilst - Gosto tanto de quase todos que é difícil escolher um particular, mas eu acho que talvez eu
diria o "Qadós". Parece que todo
mundo achou esse livro chato. O
brasileiro não lê nada, picas.
Folha - Por isso que você parou de
escrever, como vem declarando?
Hilst - Na verdade até escrevo,
mas eu acho que são coisas muito
complicadas. Estou fazendo um
livro que deve chamar "O Koisa".
"O Koisa" é exatamente o caroço
de azeitona que está na empada.
Ninguém sabe o que falar sobre
um caroço de azeitona.
Eu escrevo: "Entrei dentro da
empada/ à meia-noite, e, em seguida/caguei o grãozinho negro/
dentro da privada de âmbar/ comecei a cantar o canto chulo de
amoras negras/ mas belo, coloquial e absurdo/como é a vida".
Folha - "O Koisa" vai ser um romance? Eu vi uma entrevista sua
em que você dizia que ficava muito
chateada de nunca ter feito um romance tradicional: começo, meio e
fim. Você ainda se arrepende?
Hilst - Eu não consigo. Eu assistia muito às novelas na TV por
causa disso, eu tento ler coisas
mais simplificadas, para ver se
aprendo a ser simples, mas eu
nunca consegui. Em "O Koisa" eu
tentei, mas ele é tão complicado
que quase ninguém vai entender.
Folha - Hilda vou te fazer uma
pergunta difícil.
Hilst - Difícil eu gosto.
Folha - Eu queria saber se tem algum elemento comum que você
enxergue em toda sua obra, seja
nas poesias, no teatro, na prosa.
Hilst - A loucura. A tentativa de
fazer uma coisa louca e boa. Eu tenho muito a ver com tudo isso,
porque eu acho que o meu pai,
que era louco, era deslumbrante.
Ele era um gênio. Em 1920, por
exemplo, dizia que o casamento é
uma imoralidade porque faz do
que nós temos de mais puro, o
amor, uma coisa legal, isto é, pública e indecente. Ele publicou isso nos jornais de Jaú (SP).
Acho que ele ficou louco pela
sua genialidade. Louco varrido.
Teve uma vida terrível. Passou em
montanhas de manicômios.
Folha - Você teme a loucura?
Hilst - Tive muito medo, eu nunca quis ter filhos por causa disso.
Medo de que meu filho fosse esquizofrênico, como meu pai. Ainda tenho medo de ficar louca.
Folha - Mas dizem que as pessoas
que têm medo de ficar loucas geralmente não ficam, não é?
Hilst - Graças a Deus.
Folha - Você fala sempre em
Deus, mas também em imortalidade. Nos anos 70, você diz que gravou a voz de mortos.
Hilst - Imortalidade é minha
maior crença. Já vi muitas pessoas
que morreram. Outra vez eu vi
meu pai. Cada coisa que eu tenho
para contar. Mas não vou falar
mais que pode fazer mal.
Folha - E por outra imortalidade,
a da Academia Brasileira de Letras?
O escritor Sérgio Sant'Anna disse
que, se pudesse indicar alguém para a ABL, seria você, para "animar,
erotizar e espiritualizar as sessões"
Você aceitaria o convite?
Hilst - Não. Não sou ligada a essas coisas de Academia. Eu não tenho a menor vontade. Além disso, às vezes penso que posso um
dia ser conhecida mais no mundo
do que aqui, apesar de que para
escritor brasileiro isso é difícil.
Nem o Jorge Amado ganhou o
Prêmio Nobel. Só aquele português, o Saramago, por quem não
fico nada entusiasmada.
Folha - Quem te entusiasma?
Hilst - Os ensaios do George Bataille e o Guimarães Rosa.
Folha - Você considera Rosa o seu
"duplo", como já disseram?
Hilst - Não sei, mas posso dizer
que ele era muito meu amigo. Eu
dizia a ele: Guimarães, você é ótimo, é lindo, mas você nunca vai
ser traduzido porque você escreve
cada coisa. Ele respondia: Acredite, eu vou ser, Hilda. E logo começaram a traduzir "Grande Sertão:
Veredas" para tudo que é língua.
E a tradutora do "Grande Sertão",
Maryvonne Lapouge, acabou sendo minha tradutora para o francês, veja só. Incrível.
Folha - Falando em coisas "incríveis", quando você começou a juntar tantos cachorros em sua casa?
Hilst - Eu sinto muita compaixão
dos cachorros pelo fato de eles
não conseguirem se expressar. Eu
moro na mesma casa há 35 anos.
Sempre jogaram cachorros abandonados aqui. Eu ficava com pena
e pegava. Acho que é o problema
que eu tenho, o fato de eu mesma
ter sido, por meu pai ter ficado
louco, abandonada.
Folha - Você...
Hilst - Chega. Boa noite, ouviu?
Tchau. Cansei.
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