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RODAPÉ LITERÁRIO
Decifração infinita
Poemas de Stéphane Mallarmé são ápice da tendência da lírica moderna para a abstração
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
A PUBLICAÇÃO de "Brinde Fúnebre e Outros Poemas", de
Mallarmé, pouco depois do
lançamento do livro "Da Poesia à
Prosa", de Alfonso Berardinelli
(Cosac Naify), propicia um inesperado exercício crítico ao leitor que
gosta de remexer nas idéias feitas.
Berardinelli perfaz uma áspera
leitura da lírica moderna desde
Baudelaire e Leopardi até Valéry e
Gottfried Benn, nos quais identifica uma propensão à "poesia pura"
que, tendo perdido seu efeito de
choque original, redundou em
"transcendência vazia" ou obscuridade calculada.
Ambíguo, o crítico italiano não
rejeita as obras desses autores, mas
as glosas que produziram: como os
vates modernos são também teóricos da estética, seu culto de uma
dicção abstrata, "fundamentalmente antidiscursiva e auto-referencial", como forma de resistir à
massificação, acabou por ironia se
transformando em jargão hermético para consumo erudito.
No caso de Mallarmé, seu veredicto é inapelável: "A linguagem da
busca pelo absoluto produz, em
Mallarmé, um absoluto da linguagem, uma linguagem-fortaleza, linguagem-prisão, uma "turris ebúrnea". A língua da poesia se especializa. Cria um antimundo".
Os versos publicados em "Brinde
Fúnebre" correspondem a esse
Mallarmé hermético -sobretudo o
texto que dá título ao livro e o poema "Prosa". O volume inclui outros, como "Suspiro" (menos impenetrável) e "Esposar a Noção",
mas são aqueles dois que convidam
à decifração infinita.
O posfácio do tradutor e poeta
Júlio Castañon Guimarães reconhece o hermetismo mallarmaico
e fornece as chaves de leitura. Seria
difícil compreender "Brinde Fúnebre" sem saber que se trata de uma
celebração motivada pela morte do
escritor Théophile Gautier, na qual
o verso que fala da "fé mágica no
corredor" constitui "perífrase para
vida após a morte". Trata-se, enfim, de um "poema do nada", em
que os restos diurnos se transformam não em pesadelos, mas numa
confrontação com imagens do fim.
No caso de "Prosa", entramos
numa viagem onírica por um jardim de palavras em que cada elemento é som e invocação, em que o
verso no qual "a criança do êxtase
abdica" pode se referir à etimologia
de "enfant" ("criança"), ou seja,
"in-fans" ("que não fala"), como
emblema de uma incomunicabilidade que aspira superar todo prosaísmo.
Numa passagem de "Brinde Fúnebre", ele escreve: "Nós somos/ A
triste opacidade de espectros futuros" -versos que talvez confirmem o diagnóstico de Berardinelli,
para quem Mallarmé foi precursor
da "depuração anticomunicativa"
que dominou a lírica moderna.
Mas a bela tradução de Castañon
Guimarães renova o prazer de explorar seu antimundo.
BRINDE FÚNEBRE E OUTROS POEMAS
Autor: Stéphane Mallarmé
Tradução: Júlio Castañon Guimarães
Editora: 7 Letras
Quanto: R$ 27 (110 págs.)
Avaliação: ótimo
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