São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2000


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OSCAR NACIONAL
Francisco Weffort, ministro da Cultura, diz que a produção brasileira sempre precisará do Estado
"Cinema depende de leis de incentivo"

Lula Marques - 5.set.99/Folha Imagem
O ministro da Cultura, Francisco Weffort, canta hino durante cerimônia em Brasília, em setembro


da Reportagem Local

O ministro da Cultura, Francisco Weffort, não consegue vislumbrar um dia em que o cinema nacional andará com as próprias pernas, sem leis de incentivo e verbas estatais. "Acho que as leis de incentivo podem até ser modificadas, mas terão de existir", diz.
A seguir, entrevista concedida por Weffort à Folha, por telefone. (DANIEL CASTRO)

Folha - O que o Grande Prêmio Cinema Brasil significa neste momento?
Francisco Weffort -
Vejo dois pontos importantes. O prêmio cobre um conjunto de atividades audiovisuais e joga luz em cima do que o cinema tem feito nesses anos todos. Não seria possível organizar um prêmio como esse se tivéssemos só cinco filmes. A outra coisa é que entendo que o prêmio também é um espaço de legitimação do próprio cinema.

Folha - O premiação será transmitida só pelas TVs públicas. O ministério negociou com as grandes redes, com a Globo?
Weffort -
Conversamos.

Folha - Houve interesse?
Weffort -
Não. Isso pode vir com o tempo. Esta primeira edição é uma experiência que pode criar um mecanismo mais sólido.

Folha - A entrega do prêmio ocorre em um momento em que só se fala nos casos Guilherme Fontes e Norma Bengell. Isso não tira um pouco do brilho?
Weffort -
Acho que não. Primeiro porque esses casos são apenas dois em mais de cem filmes.

Folha - Existem outros casos, um deles de uma produtora paulista, a ADL, que está no Tribunal de Contas da União.
Weffort -
Esse caso já está encerrado. Devolveram o dinheiro em 98 (cerca de R$ 50 mil). Estão pensando que não há controle? Tem controle, sim. Mijou fora do penico, sai da sala. Se recebeu dinheiro público e não fez o filme, sai fora do jogo.
Tivemos, de 95 pra cá, 114 longas-metragens e 80 curtas e médias. Somados, são quase 200. São três casos (de irregularidades) em quase 200. Acho que isso não empana o brilho da festa. Pelo contrário, a festa mostra que a área do cinema está aí, que o pessoal está produzindo. Quem não se enquadrar nas exigências da lei vai para o Tribunal de Contas.

Folha - O produtor Luiz Carlos Barreto disse que até o início de 99 havia algumas brechas na Lei do Audiovisual. Uma delas permitia a venda de certificados do audiovisual antes de o filme começar a ser rodado. A empresa comprava R$ 500 mil em certificados e imediatamente revendia no mercado secundário por R$ 200 mil, por exemplo.
Weffort -
Mas todos os títulos são negociados no mercado secundário. Nós é que estamos controlando nossos próprios títulos. Desde março de 99, os títulos só podem ser negociados após o filme estar pronto.

Folha - O ministério chegou a receber informações de que intermediários ofereciam às empresas títulos de R$ 500 mil, por exemplo, e a imediata recompra por R$ 300 mil? Ou de que intermediários oferecem verba para cineastas em troca de uma pesada comissão, que terá de ser coberta com notas frias?
Weffort -
Existem pessoas que dizem coisas desse tipo. Mas ninguém me diz caso nenhum, porque, se dissesse, eu iria à polícia. É preciso dar nomes, endereços.

Folha - Um dos grandes problemas do cinema nacional é a comercialização, a exibição. O cineasta faz o filme, mas não tem dinheiro para divulgá-lo, nem lugar para exibi-lo.
Weffort -
Isso é realmente um problema. Mas o outro lado do problema é que está aumentando o número de salas multiplex, de uma maneira surpreendente.
A maior parte dessas salas novas são multiplex, que envolvem um tipo de investimento ao qual o investidor nacional não está habituado; ele tem a tradição da sala de rua. Está havendo uma redefinição do mercado na área de exibição. Mas ainda faltam salas.

Folha - Mas não é apenas a falta de sala. Faltam mecanismos que garantam recursos para comercialização e marketing. O cineasta faz o filme, mas não tem dinheiro nem para fazer cópias.
Weffort -
Como o cinema brasileiro parou no governo do Collor, com a quebra da Embrafilme, abriu-se um buraco. O cinema só começou a se recuperar em 1994. Então a grande ansiedade da área era de produzir mais e mais, o que acho correto, ainda hoje. Porém era tal a ansiedade que o pessoal não percebia a necessidade de planejar a distribuição. Em regra, o pessoal trabalhava pesado na produção e na hora do lançamento não tinha mais dinheiro. O que estamos fazendo é exigir que, na apresentação do projeto, 20% do orçamento se dedique ao lançamento do filme.

Folha - Existem hoje 80 projetos parados?
Weffort -
Não. Existem cerca de 80 projetos em fase de finalização. Abrimos uma linha de crédito no BNDES, o Mais Cinema. São empréstimos com juros mais suaves.

Folha - O programa Mais Cinema prevê recursos para a construção e recuperação de salas. Exige-se, como contrapartida, uma reserva dessas salas para o cinema nacional?
Weffort -
Não. O que existe é lei da cota de tela (que obriga cinemas a exibirem filmes nacionais durante 49 dias por ano).

Folha - A lei é cumprida?
Weffort -
É. As informações que temos é que o cinema brasileiro ocupa mais dias na sala de exibição do que a lei exige.

Folha - Existe a possibilidade de se vincular a televisão à produção cinematográfica, a exemplo do que ocorre na Europa? Na França, parte do faturamento das TVs vai para o cinema.
Weffort -
Isso é uma fórmula que se adotou na Europa. Acho que aqui teríamos que fazer um esquema de cooperação entre cinema e TV. Não seria o único caminho, mas é preciso quebrar o isolamento entre essas duas áreas. Começa a haver cooperação. A Globo e as TVs públicas já fazem alguma coisa.
Mas a Lei do Audiovisual cria algumas dificuldades para que as TVs produzam filmes. Isso nasceu de um temor de diretores de cinema de que as televisões viessem a monopolizar o mercado. A lei não abre facilidades para a TV. A Lei do Audiovisual é dirigida ao produtor independente. O benefício fiscal é dirigido ao produtor independente, não às TVs. Estamos tentando resolver isso.

Folha - A lei não favorece a produção de filmes caros?
Weffort -
Não. Na média, os filmes nacionais custam R$ 2 milhões. Acho que deveríamos insistir mais nos filmes baratos. O que cria uma indústria não é filme de exceção, mas o filme de custo relativamente baixo, que com um público relativamente pequeno se paga e dá lucro.

Folha - Só se faz filme caro porque o dinheiro não sai do bolso do produtor ou diretor?
Weffort -
Mas nem o barato ele faria (se tivesse que colocar dinheiro do próprio bolso). Nas condições de uma indústria que não existe, e que tem que competir com a indústria americana, das duas uma: ou você tem subsídios do Estado ou não vai ter cinema.

Folha - E tem de ter cinema?
Weffort -
Tem. Sabe por quê? Porque o povo quer ver sua cara na tela. Tem de ter cinema pela mesma razão que tem de ter televisão, novela, porque o folhetim, o romance e o cinema são narrativas típicas da construção da sociedade moderna.

Folha - Um dia o cinema nacional caminhará sozinho?
Weffort -
Acho que leis de incentivo podem até ser modificadas, mas terão de existir.


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