|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Com vocês... ...a Tigrona do funk!
ADRIANA FERREIRA SILVA
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Flávio Florido/Folha Imagem
|
Deize Tigrona em show, na última terça-feira, no Rose Bom Bom, em SP, onde estará em temporada em março |
Tati Quebra-Barraco que se cuide. Vem também da Cidade de
Deus, no Rio, a moça que começa
a abalar os domínios da rainha do
funk: Deize Tigrona. Empregada
doméstica até maio de 2005, ela
hoje põe endinheirados para rebolar nas boates chiques de SP.
Trocou o salário mínimo da
"casa da madame" -hoje em R$
350- por cachês de até R$ 5.000
em clubes como o sofisticado Lotus e o descolado Vegas (onde se
apresenta amanhã). Passou ao
circuito nacional no ano passado
quando foi uma das protagonistas
do documentário "Sou Feia Mas
Tô na Moda" e fez uma ponta no
show da badalada cantora anglo-cingalesa M.I.A., no Tim Festival.
Com seis shows por semana, já
reservou o dia 13/5 para a participação no Skol Beats, um dos
maiores eventos de música eletrônica da América Latina.
Aos 26, Tigrona é um dos principais nomes do chamado funk
erótico -de letras com duplo
sentido e até palavrão-, que tomou as pistas de todo o país e irá
impregnar os ouvidos neste Carnaval. Ela estourou com "Injeção"
e seu refrão "tá ardendo, mas tô
aguentandu", que M.I.A. sampleou no hit "Bucky Done Gun".
Desde então, virou do avesso a
vida dessa carioca que trabalhava
como doméstica desde os 12, nunca soube quem é o pai e tem oito
irmãos, dois dos quais moram em
orfanato. Após o Tim, foi convidada para se apresentar no Lov.e,
clube de "modernos" em SP, e
viajou de avião pela primeira vez.
Na seqüência, carimbou o passaporte para Paris, onde animou
mais de 6.000 pessoas. "Esse show
me deixou muito emocionada.
Quando comecei a cantar, neguinho gritou "huuuuu'", conta.
Tudo a impressiona: ter dinheiro para alimentar a filha de três
anos, ser convidada para a primeira fila da SP Fashion Week, ficar em hotel com piscina, poder
pagar R$ 200 numa calça jeans.
"Comecei a trabalhar para ter a
minha roupa. Num Natal, minha
avó falou: "Vou te vestir e te calçar". Fiquei animada, mas não foi
a roupa que eu esperava."
Ainda Deize da Silva, dava conta
de limpar um apartamento duplex, apesar dos 12 anos. À noite,
em seu quartinho, pegava um diário para contar "de namoro, essas
coisas". "Aí saía tudo em rima."
Não conseguiu emplacar nada
com DJs até 1998, quando compôs "Hilda Furacão", inspirada na
série da Globo, que dizia "seu macho vamos comer". A baixaria,
conta, teve como origem a rivalidade entre meninas que moravam nos apartamentos e nas casas
da Cidade de Deus. Enquanto os
homens até se matavam nos bailes funks Lado A/Lado B, as garotas faziam disputas de rimas.
Assim, Tigrona, que era "do
apê", formou o Bonde do Fervo
(gíria para babadão, história
"quente"). As meninas das casas
criaram o Bonde das Bad Girls.
A guerra de provocação se iniciou. "A gente começou a pegar
pesado", assume. Foi quando Tigrona lançou "De quatro, de lado" para desafiar as rivais. Mas o
sucesso foi tanto que até as "sacaneadas" cantavam. "Juro que fiquei com vergonha dessa música,
mas foi eu cantar e virou sucesso.
Aí pensei: "O que eu fiz?!". Da janela do apartamento da minha mãe,
via as meninas de quatro."
As funkeiras também foram influenciadas na adolescência por
"Segura o Tchan!" e "Boquinha
da Garrafa" e outros hits do axé
baiano carregados de duplo sentido. "Claro que o jeito que as meninas do funk dançam tem a ver
com o rebolado da Carla Perez."
O nome de Tigrona veio a cruzar as fronteiras da Cidade de
Deus e dos morros do Rio em
2000, com "Injeção". Mais uma
vez foi a televisão que a inspirou.
"Estava vendo o "Zorra Total" [humorístico da Globo], e um cara falava "tá ardendo, tá ardendo". Eu
estava grávida e ia tomar injeção
antitetânica no dia seguinte. Aí
juntei tudo isso na música."
Ela passou a cantar em bailes
funk, mesmo com o barrigão de
nove meses. Os cachês eram bem
mais baixos do que os atuais, uns
R$ 300, mas deu para sair da "casa
da madame". De Tigrona, virou
Deize da Injeção. Mas a maré baixou, e ela voltou a ser doméstica.
Agora, experimenta vida de celebridade -Alicinha Cavalcante,
promoter de festas de bacanas,
disse à Folha que precisa acrescentá-la à sua lista de VIPs.
A funkeira reforma sua pequena casa e junta dinheiro para
comprar um carro. Ex-motoboy e
porteiro, o marido virou seu DJ, e
Tigrona chora ao lembrar da filha,
que deixa com a avó já que eles
não param na Cidade de Deus.
Leitora de Jorge Amado, ela
quer voltar a estudar e comprar
um apartamento para garantir
uma renda. "E, se tudo acabar um
dia, volto para a casa da madame
com o maior prazer e com uma
boa recomendação: a do povo."
Deize Tigrona
Quando: amanhã, 23h
Onde: Vegas (r. Augusta, 765, tel. 0/xx/
11/3231-3705)
Quanto: R$ 20
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Voz do povo Índice
|