São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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Toda mulher quer dominar; eu também

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O problema é o duplo sentido. "Pra quem não sabe ler, o pingo no i é uma letra", foi o que a Tigrona me disse quando eu perguntei, na noite da última terça o que era "funk duplo sentido".
Foi essa duplicidade que costurou minha conversa com ela. E quando, para piorar minha confusão, perguntei se suas letras são feministas, ela disse, depois de uma ponderação inesperada e de uma risada franca: "São, sim.Toda mulher quer dominar". E pronto. Acabou de confundir tudo.
Fiquei pensando se, já que também sou mulher, eu também quero dominar. Era meu dever incontornável ser dominadora (senão alguma hesitação imediatamente saltaria à vista) e, pensando bem, achei que ela tinha razão. Mas quem dominava ali, naquela conversa?
Eu, com meu bloquinho de anotações com notas sobre alienação e impressões sobre a sexualidade estranha do funk carioca, ou ela, dizendo que a "droga da buceta" é dela e que ela pode não ter nada, mas que "nisso" ninguém manda?
Ela, que diz que quer "dominar o seu macho", ou eu, que descubro que também é isso mesmo o que eu quero, mas sempre por caminhos tortuosos e subliminares?
Alguém já disse que falar em ideologia dos dominados é um contra-senso, visto que a ideologia é um instrumento de dominação. Mas a Tigrona: é dominada ou dominadora? E no caso da segunda hipótese ser verdadeira, qual seria o seu instrumento ideológico? Ou então pode ser que na verdade ela não domine nada, mesmo com autonomia total sobre o sexo (dela e dos outros) e sobre o discurso sexual. Pode ser que ela seja só um instrumento da dominação alheia.
Mas será que eu seria suficientemente hipócrita para dizer que ela é só um objeto do mercado? Será que eu também não sou? Eu que ainda preciso me preocupar em saber quem é que domina, quando ela já tem certeza de que é campeã?


NOEMI JAFFE é autora de "Folha Explica Macunaíma" (Publifolha) e "Todas as Coisas Pequenas" (Editora Hedra).

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