São Paulo, quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

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Cidade de Krishna

Semelhanças estéticas aproximam o candidato ao Oscar "Quem Quer Ser um Milionário?", filmado na Índia, de "Cidade de Deus"

CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Ops, já vi esse filme.
Essa é a impressão que os dez primeiros minutos de "Quem Quer Ser um Milionário?" passam à plateia. Especialmente se for uma plateia brasileira.
A câmera na mão, os enquadramentos, as cores quentes e até a aparição de uma galinha escancaram a influência que "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles e Kátia Lund, exerce sobre o longa do britânico Dan-ny Boyle, grande favorito a melhor filme no próximo Oscar.
A estética similar predomina nas longas sequências de perseguição em favelas presentes tanto na abertura da fita nacional de 2002 quanto no início do filme anglo-indiano, rodado em Mumbai no ano passado.
César Charlone, 50, diretor de fotografia de "Cidade", reconheceu semelhanças e disse ser amigo de Anthony Dod Mantle, fotógrafo de "Milionário". Mantle, contou Charlone, "gosta muito" de "Cidade de Deus".
"A gente trocou figurinha. Estamos muito interessados nos novos equipamentos digitais. Anthony fez quase tudo em digital. Isso é algo que o "Cidade" foi um dos primeiros a fazer, misturar 16 mm com 35 mm e finalizar em digital. E ele fez o mesmo, misturou os dois." Além de, provavelmente, reforçar as cores na pós-produção.
"É um pouco [parecido]... Todo mundo está sempre copiando um ao outro, né? É natural. Eu copio todo mundo. E o Anthony deve ter copiado 200 mil filmes, e alguma coisa do "Cidade de Deus" deve ter ficado."

"Público decide"
Ouvido pela Folha, Danny Boyle se enervou com o paralelo e disse detestá-lo (leia à pág. E3). Ao site First Showing, porém, afirmou admirar o filme brasileiro, que não reviu para evitar influências, e admitiu: "Obviamente, você pode ver similaridades com "Cidade'".
Discreto, Fernando Meirel- les, 53, disse ser "muito ruim" comentar o paralelo. "Não vi, não posso falar. Mas, se achar parecido, não quero falar. O Danny Boyle já falou que não é. Prefiro deixar a última palavra com ele, e o público decide."
Além da estética, os dois têm um ponto comum na trama: o protagonista que consegue deixar a favela. Em "Cidade de Deus", o narrador é Buscapé, garoto que encontra no fotojornalismo a opção ao tráfico. Em "Milionário", Jamal é o menino que troca o crime por bicos e subempregos até ir parar no "Show do Milhão" local.
Mas o desenrolar das duas histórias é distinto. Enquanto a trajetória de Jamal se transforma numa viagem pela Índia, Buscapé nunca deixa o Rio. E o que realmente separa (e muito) os dois longas é o tom das narrativas. Enquanto "Cidade de Deus" monta, ao longo de décadas, uma genealogia do crime organizado, "Milionário" se apresenta como um conto de fadas contemporâneo.
A comparação entre os dois já aparecera no final de 2008, quando "Milionário" foi lançado nos EUA. Um dos principais críticos de cinema do país, Roger Ebert, do "Chicago Sun Times", disse que o filme de Boyle "combina o suspense de um game show com a imaginação e a energia de "Cidade de Deus'".
Já a revista "Time" afirmou que o ambiente de favela e crime faz lembrar, além do longa de Meirelles, outro filme brasileiro famoso no exterior: "Pixote", de Hector Babenco.
Cinéfilos também cotejaram os longas, discutidos em fóruns on-line. Debates sobre qual é melhor surgiram em sites especializados em cinema, como o americano Rotten Tomatoes, e em portais como o Yahoo.
Há ainda um fato extrafilme que os une: a reação após as estreias em seus países, quando o retrato estilizado da favela foi muito questionado. No Brasil, cunhou-se o termo "cosmética da fome"; na Índia, a expressão "pornografia da pobreza".


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