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Cidade de Krishna
Semelhanças estéticas aproximam o candidato ao Oscar "Quem Quer Ser um Milionário?", filmado na Índia, de "Cidade de Deus"
CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Ops, já vi esse filme.
Essa é a impressão que os dez
primeiros minutos de "Quem
Quer Ser um Milionário?" passam à plateia. Especialmente se
for uma plateia brasileira.
A câmera na mão, os enquadramentos, as cores quentes e
até a aparição de uma galinha
escancaram a influência que
"Cidade de Deus", de Fernando
Meirelles e Kátia Lund, exerce
sobre o longa do britânico Dan-ny Boyle, grande favorito a melhor filme no próximo Oscar.
A estética similar predomina
nas longas sequências de perseguição em favelas presentes
tanto na abertura da fita nacional de 2002 quanto no início do
filme anglo-indiano, rodado em
Mumbai no ano passado.
César Charlone, 50, diretor
de fotografia de "Cidade", reconheceu semelhanças e disse ser
amigo de Anthony Dod Mantle,
fotógrafo de "Milionário".
Mantle, contou Charlone, "gosta muito" de "Cidade de Deus".
"A gente trocou figurinha.
Estamos muito interessados
nos novos equipamentos digitais. Anthony fez quase tudo
em digital. Isso é algo que o "Cidade" foi um dos primeiros a fazer, misturar 16 mm com 35
mm e finalizar em digital. E ele
fez o mesmo, misturou os dois."
Além de, provavelmente, reforçar as cores na pós-produção.
"É um pouco [parecido]... Todo mundo está sempre copiando um ao outro, né? É natural.
Eu copio todo mundo. E o Anthony deve ter copiado 200 mil
filmes, e alguma coisa do "Cidade de Deus" deve ter ficado."
"Público decide"
Ouvido pela Folha, Danny
Boyle se enervou com o paralelo e disse detestá-lo (leia à pág.
E3). Ao site First Showing, porém, afirmou admirar o filme
brasileiro, que não reviu para
evitar influências, e admitiu:
"Obviamente, você pode ver similaridades com "Cidade'".
Discreto, Fernando Meirel-
les, 53, disse ser "muito ruim"
comentar o paralelo. "Não vi,
não posso falar. Mas, se achar
parecido, não quero falar. O
Danny Boyle já falou que não é.
Prefiro deixar a última palavra
com ele, e o público decide."
Além da estética, os dois têm
um ponto comum na trama: o
protagonista que consegue deixar a favela. Em "Cidade de
Deus", o narrador é Buscapé,
garoto que encontra no fotojornalismo a opção ao tráfico.
Em "Milionário", Jamal é o
menino que troca o crime por
bicos e subempregos até ir parar no "Show do Milhão" local.
Mas o desenrolar das duas
histórias é distinto. Enquanto a
trajetória de Jamal se transforma numa viagem pela Índia,
Buscapé nunca deixa o Rio. E o
que realmente separa (e muito)
os dois longas é o tom das narrativas. Enquanto "Cidade de
Deus" monta, ao longo de décadas, uma genealogia do crime
organizado, "Milionário" se
apresenta como um conto de
fadas contemporâneo.
A comparação entre os dois
já aparecera no final de 2008,
quando "Milionário" foi lançado nos EUA. Um dos principais
críticos de cinema do país, Roger Ebert, do "Chicago Sun Times", disse que o filme de Boyle "combina o suspense de um
game show com a imaginação e
a energia de "Cidade de Deus'".
Já a revista "Time" afirmou
que o ambiente de favela e crime faz lembrar, além do longa
de Meirelles, outro filme brasileiro famoso no exterior: "Pixote", de Hector Babenco.
Cinéfilos também cotejaram
os longas, discutidos em fóruns
on-line. Debates sobre qual é
melhor surgiram em sites especializados em cinema, como
o americano Rotten Tomatoes,
e em portais como o Yahoo.
Há ainda um fato extrafilme
que os une: a reação após as estreias em seus países, quando o
retrato estilizado da favela foi
muito questionado. No Brasil,
cunhou-se o termo "cosmética
da fome"; na Índia, a expressão
"pornografia da pobreza".
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