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Crítica/ "A Fita Branca"
Imprecisão na narrativa preserva mistério central no filme do diretor
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não será exagero dizer
que o mistério é o centro de "A Fita Branca".
Já no início, o estranho acidente envolvendo o médico do vilarejo no norte da Alemanha não
desmente o que virá depois,
quando um arame estendido
em sua passagem faz com que
caia do cavalo e passe longos
meses no hospital. Outros
acontecimentos, ora mais graves, ora menos, reforçam essa
primeira impressão.
O acidente inicial é tão estranho quanto sua origem está,
claramente, no vilarejo e atinge
um personagem essencial à sua
sobrevivência. Há uma perversidade clara nisso tudo, que a
narração "off" do filme (feita
anos depois pelo antigo professor) deixa vaga. Essa sensação
de vago é acentuada pelo branco e preto do filme e pela lembrança que traz dos filmes de
Carl Th. Dreyer, onde a pureza
remete a uma concepção alegremente religiosa do mundo.
Já aqui, a pureza, se existe, está
em permanente tensão com a
perversidade.
Logo vemos o pastor local
castigar severamente seus filhos e colocar-lhes uma fita
branca, que usarão para se lembrar da necessidade de preservar a pureza. Algo está fora do
lugar, pensamos. Os fatos que
se sucedem: a morte de uma
camponesa, um incêndio, violência bruta contra uma criança confirmam seja essa tensão
entre o puro e o contaminado,
seja entre o sadio e o doente,
que marca o filme do austríaco
Michael Haneke.
Mais do que isso, no entanto,
o filme adquire certa precisão
na imprecisão. Explicando: o
espectador um pouco distraído
pode pensar num filme mal
narrado. Nada disso. Pode-se
discordar de Haneke, mas ele
sabe o que faz. A imprecisão visa, por um lado, a preservação
do mistério (o mistério que corresponde ao escondido, como
já se vira em "Caché", alguns
anos atrás), e, por outro, afirmar a coletivização da culpa, digamos assim.
Pois quanto mais conhecemos o vilarejo, melhor nos enfronhamos nos ódios e nas paixões que pulsam sob a cândida
aparência do local e das pessoas, como a nos lembrar de
uma civilização construída sobre um pântano. Pântano do
cristianismo e da repressão,
mas que verga, também, sob o
peso das hierarquias.
Como em outros filmes de
Haneke, a realização é menos
questionável do que as ideias,
embora as afete. O mundo que
concebe é sombrio. Um mundo
de que Deus se ausentou não
por ser mau, mas porque só
existe, a rigor, para caucionar
as perversidades do homem
dessa civilização.
Esse tipo de olhar costuma
ser tão ambíguo quanto a narrativa que constitui. Essa arte é
denúncia da violência ou sua
cúmplice laboriosa? Pessoalmente, a segunda hipótese me
parece mais coerente, não somente com a narrativa, mas
também com os filmes precedentes de Haneke.
A FITA BRANCA
Diretor: Michael Haneke
Produção: Alemanha/Áustria/França/Itália, 2009
Com: Christian Friedel, Leonie Benesch
e Ulrich Tukur
Onde: Cine UOL Lumière e circuito
Classificação: não recomendado para
menores de 16 anos
Avaliação: regular
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