São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2011

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CRÍTICA CONTOS

Fina ironia de Machado une histórias de "Papéis Avulsos"

Reedição de livro de 1882 reúne 12 narrativas célebres do escritor carioca

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Papéis Avulsos", de 1882, é uma recolha de 12 narrativas de Machado de Assis (1839-1908) antes publicadas em jornais e revistas cariocas, como "A Época", "Jornal das Famílias", "Gazeta de Notícias", "O Cruzeiro" e "A Estação".
Inclui, entre outras joias de sua produção exclusiva, textos conhecidos e justamente celebrados, como "O Alienista", "Teoria do Medalhão", "O Espelho".
Nenhum dos outros é menos que excelente, como "A Chinela Turca", "D. Benedita", "Verba Testamentária" ou "O Anel de Polícrates".
Com base no que o próprio Machado alerta em sua nota inicial ao volume, é comum chamar a atenção para a relativa unidade da coletânea, menos por conta da forma do conto, nada ortodoxa, do que pela pertença à mesma linhagem textual: "São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa".
Se é verossímil afirmar que a semelhança em família é dada pela ironia, será preciso acrescentar que, no caso de "Papéis Avulsos", não se trata de uma ironia banal, que diz uma coisa para significar o seu contrário -mas de um tipo complexo, sem correspondências ou distinções fáceis entre o que se critica e o que se admira.
Por exemplo, o emprego machadiano da figura irônica é parente do gosto pela curiosidade, do humor fino e inventarial, da coleção de bizarrices. É o que faz do narrador desses textos um tipo particular de moralista: aquele que, adotando embora uma posição estável, com base nas ideias civis de bom-senso, razão razoável e prudência prática, diverte-se mais em acompanhar (e mesmo amplificar) as extravagâncias desviantes do que em chamá-las à ordem.
Daí o seu traço cético e aristocrático também: se o narrador machadiano não conta com fundamentos estáveis plenos, como a presciência divina ou a condição do nascimento, nem por isso crê em transformações significativas nos costumes ou nos temperamentos. Estes são determinados de uma vez para sempre, como uma doença orgânica, congênita, tão resistente como o "verme do baço" de que padecia o Nicolau, do conto "Verba Testamentária", o qual, desde o nascimento até a morte, fê-lo sempre ter preferência pelas coisas que "não prestam para nada".
Será preciso notar ainda que esse gosto desviante, nos contos de "Papéis Avulsos", se nutre do exercício estilístico, da imitação de formas e gêneros diversos, de preferência antigos. Há ali diálogo, alegoria moral, epístola negocial, sagrada escritura, relato de viagem, fábula, apólogo etc. É como se o narrador apenas encontrasse a sua originalidade ao se apropriar da "maneira" das antigualhas, mas já sem que se pudesse tomá-las a sério, e que, justamente por isso, tal maneira alcançasse o seu estatuto exato de ficção, bem como a sua perfeita porção de graça e melancolia.
Percebe-se, neste ponto, que o que vai na "advertência" do livro é a base de seu programa literário: "quando se faz um conto, o espírito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente dar por isso".

ALCIR PÉCORA é é professor de teoria literária na Unicamp

PAPÉIS AVULSOS
AUTOR Machado de Assis
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 25 (272 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



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