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O escritor holandês ganha filme que estréia hoje, e romance e coletânea de contos são lançados no Brasil
Wilde
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Um século depois de sua morte,
Oscar Wilde (1854-1900) continua
dando o que falar.
Além do filme "Wilde", de Brian
Gilbert, que entra hoje em cartaz,
estão sendo lançados no Brasil
dois livros do autor irlandês: a coletânea de artigos "Chá das Cinco
com Aristóteles" (Lacerda Editores) e a reedição de seu único romance, "O Retrato de Dorian
Gray" (Civilização Brasileira).
Na verdade, ao longo do século,
Wilde nunca deixou de estar em
evidência, tanto por sua obra como por sua vida pessoal.
Esta última, aliás, repleta de lances trágicos, cômicos e escandalosos, ofuscou por algum tempo a literatura do autor, a ponto de muitos críticos o considerarem mais
interessante como personagem do
que como escritor.
O próprio Wilde contribuiu para
que sua obra ficasse em segundo
plano, ao cultivar a imagem de um
dândi que passava a vida cortejando rapazinhos, desfilando roupas
extravagantes e lançando ditos espirituosos.
Foi, talvez, o primeiro escritor a
ter plena consciência do crescente
papel da publicidade e da imagem
na sociedade contemporânea.
Ao escritor francês André Gide,
chegou a dizer: "Coloquei toda a
minha genialidade na minha vida;
na minha obra, apenas o talento".
Pode até ser verdade. Mas que talento! Suas peças teatrais -sobretudo 'À Importância de Ser Prudente", "Um Marido Ideal" e "Salomé"-, seu poderoso romance,
seus ensaios e poemas elevam-no à
categoria dos grandes escritores
modernos.
Claro que Oscar Wilde sempre
vai ser lembrado como o homem
que passou dois anos na prisão por
ter ousado assumir seu homossexualismo em plena Inglaterra vitoriana, mesmo sendo casado e pai
de dois filhos.
Ou então como o frasista genial,
que sacudia a modorra da cultura
britânica e a hipócrita moral burguesa com suas tiradas impiedosas, que fazem a delícia dos livros
de citações. Ou, ainda, como o
"profeta do esteticismo", para
quem "o primeiro dever na vida é
ser o mais artificial possível".
Mas, por trás desse personagem
fascinante e paradoxal, havia um
tremendo intelectual, que aliava
uma sólida cultura clássica a uma
enorme energia para o trabalho.
Em 1882, por exemplo, Wilde
deu nada menos que 140 conferências numa turnê de 260 dias pelos
EUA e Canadá, numa época em
que o avião ainda não existia.
Foi ao chegar em Nova York que
Wilde proferiu uma de suas tiradas
mais célebres. O funcionário da alfândega lhe perguntou: 'Àlgo a declarar?". Ele respondeu: "Só a minha genialidade".
Conferências e artigos para jornais foram as principais fontes de
renda do escritor, antes de cair em
desgraça e ser mandado à prisão
por causa de seu romance com o
jovem lorde Alfred Douglas.
Se o lado mundano e o brilho
pessoal do escritor são a matéria
principal do filme "Wilde", os dois
livros que estão sendo lançados
comprovam sua genialidade literária e a contundência de sua crítica
cultural e de costumes.
Em "Chá das Cinco Com Aristóteles e Outros Artigos", organizado por Marcello Rollemberg, encontram-se textos de Wilde sobre
assuntos tão variados como uma
montagem de "Hamlet", um manual para o casamento, uma coletânea de antigas lendas celtas e os
romances de Dostoiévski.
É uma prosa cheia de humor e
ironia, em que a erudição nunca
pesa sobre a graça do texto. Pena
que a tradução e a revisão nem
sempre estejam à altura.
"O Retrato de Dorian Gray"
(1891) é uma parábola cruel sobre
um tema caro a Wilde, o das máscaras sociais, misturado ao mito da
eterna juventude.
Pelo menos dessa vez vigorou a
crença de Wilde de que a vida imita
a arte. Como seu Dorian Gray, ele
também seria prisioneiro de sua
própria imagem.
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