São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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O escritor holandês ganha filme que estréia hoje, e romance e coletânea de contos são lançados no Brasil
Wilde

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Um século depois de sua morte, Oscar Wilde (1854-1900) continua dando o que falar.
Além do filme "Wilde", de Brian Gilbert, que entra hoje em cartaz, estão sendo lançados no Brasil dois livros do autor irlandês: a coletânea de artigos "Chá das Cinco com Aristóteles" (Lacerda Editores) e a reedição de seu único romance, "O Retrato de Dorian Gray" (Civilização Brasileira).
Na verdade, ao longo do século, Wilde nunca deixou de estar em evidência, tanto por sua obra como por sua vida pessoal.
Esta última, aliás, repleta de lances trágicos, cômicos e escandalosos, ofuscou por algum tempo a literatura do autor, a ponto de muitos críticos o considerarem mais interessante como personagem do que como escritor.
O próprio Wilde contribuiu para que sua obra ficasse em segundo plano, ao cultivar a imagem de um dândi que passava a vida cortejando rapazinhos, desfilando roupas extravagantes e lançando ditos espirituosos.
Foi, talvez, o primeiro escritor a ter plena consciência do crescente papel da publicidade e da imagem na sociedade contemporânea.
Ao escritor francês André Gide, chegou a dizer: "Coloquei toda a minha genialidade na minha vida; na minha obra, apenas o talento".
Pode até ser verdade. Mas que talento! Suas peças teatrais -sobretudo 'À Importância de Ser Prudente", "Um Marido Ideal" e "Salomé"-, seu poderoso romance, seus ensaios e poemas elevam-no à categoria dos grandes escritores modernos.
Claro que Oscar Wilde sempre vai ser lembrado como o homem que passou dois anos na prisão por ter ousado assumir seu homossexualismo em plena Inglaterra vitoriana, mesmo sendo casado e pai de dois filhos.
Ou então como o frasista genial, que sacudia a modorra da cultura britânica e a hipócrita moral burguesa com suas tiradas impiedosas, que fazem a delícia dos livros de citações. Ou, ainda, como o "profeta do esteticismo", para quem "o primeiro dever na vida é ser o mais artificial possível".
Mas, por trás desse personagem fascinante e paradoxal, havia um tremendo intelectual, que aliava uma sólida cultura clássica a uma enorme energia para o trabalho.
Em 1882, por exemplo, Wilde deu nada menos que 140 conferências numa turnê de 260 dias pelos EUA e Canadá, numa época em que o avião ainda não existia.
Foi ao chegar em Nova York que Wilde proferiu uma de suas tiradas mais célebres. O funcionário da alfândega lhe perguntou: 'Àlgo a declarar?". Ele respondeu: "Só a minha genialidade".
Conferências e artigos para jornais foram as principais fontes de renda do escritor, antes de cair em desgraça e ser mandado à prisão por causa de seu romance com o jovem lorde Alfred Douglas.
Se o lado mundano e o brilho pessoal do escritor são a matéria principal do filme "Wilde", os dois livros que estão sendo lançados comprovam sua genialidade literária e a contundência de sua crítica cultural e de costumes.
Em "Chá das Cinco Com Aristóteles e Outros Artigos", organizado por Marcello Rollemberg, encontram-se textos de Wilde sobre assuntos tão variados como uma montagem de "Hamlet", um manual para o casamento, uma coletânea de antigas lendas celtas e os romances de Dostoiévski.
É uma prosa cheia de humor e ironia, em que a erudição nunca pesa sobre a graça do texto. Pena que a tradução e a revisão nem sempre estejam à altura.
"O Retrato de Dorian Gray" (1891) é uma parábola cruel sobre um tema caro a Wilde, o das máscaras sociais, misturado ao mito da eterna juventude.
Pelo menos dessa vez vigorou a crença de Wilde de que a vida imita a arte. Como seu Dorian Gray, ele também seria prisioneiro de sua própria imagem.


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