|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"NA CAPTURA DOS FRIEDMANS"
Filme expõe ocultação da verdade
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Na Captura dos Friedmans" não é o título que
mais bem expressa o que este filme busca. Parece que houve uma
captura policial e que o cinema estava lá, como testemunha. Isso até
ocorre, em parte. Ainda assim,
um nome como "Capturando os
Friedmans" teria a virtude da exatidão.
A história começa com Arnold
Friedman, professor, pianista e
pedófilo. À descoberta de algumas revistas pornográficas em
sua casa, sucede a acusação policial: Arnold teria tido relações
com seus alunos. Segue-se o processo e a prisão.
O caso envolve também um de
seus filhos, Jesse, que forçaria as
crianças a terem relações com Arnold. Para a polícia tudo é claro.
Algo, no entanto, escapa ao bom
entendimento: como é possível
que Arnold tenha praticado tais
atos, durante anos, sem que ninguém se queixasse ou que evidências de brutalidade viessem à tona, enquanto agora, todos -aparentemente com uma exceção-
se declaram vítimas do monstro?
Aí as coisas, que pareciam claras, começam a se complicar. O
que parecia um filme sobre o patético pedófilo se torna uma espécie de "Cidadão Kane": nenhuma
narrativa dá conta de um homem.
Seja a policial, ou a das supostas
vítimas, ou da ex-mulher (ressentida), ou de David, o filho mais velho, ressentido com a mãe.
A soma das experiências possíveis com esse estranho homem de
olhos fundos, sorriso furtivo e
pianista sensível vai longe. E isso
em boa parte porque estamos às
voltas com a sexualidade de alguém -isto é, com a nossa própria-, terreno delicado, em que
o imaginário é radicalmente convocado. Assim, existe o homem, o
Friedman, e sua perversão. Mas
não deixa de haver o que em torno disso imagina (ou oculta) a
mente do policial, da juíza, dos filhos, do irmão, da repórter, das
vítimas supostas, e por aí vamos.
Ah, ia esquecendo, da "comunidade". Isto é, de um desses bairros
aprazíveis, tão tipicamente americanos. Ela é que, unânime, se levanta para apontar a infâmia que
teria vitimado seus filhos. Mas como essas crianças nunca se queixaram antes? Teriam elas passado
por lavagem cerebral e, de certa
forma, lhes teria sido implantada
uma memória sugerida pela polícia ou pela "comunidade"? Quem
levanta essas questões é uma repórter da CNN, que suspeita de
tantas evidências.
Assim a verdade, que parecia
tão evidente, escapa entre nossos
dedos e olhos -ainda que documentada exaustivamente- pela
fresta da sexualidade. E este parece ser o objeto de Andrew Jarecki
em seu magnífico filme: documentar a capacidade da verdade
de se ocultar, de ser maior do que
nossa vontade de achar e apontar
o monstro que redime nossos males e nos apazigua as consciências.
Na Captura dos Friedmans
Capturing the Friedmans
Produção: EUA, 2003
Direção: Andrew Jarecki
Quando: a partir de hoje, no Frei Caneca
Unibanco Arteplex e circuito
Texto Anterior: Cinema/estréias - "33": Goifman discute espetáculo da intimidade Próximo Texto: Keaton vive dilema entre dois amores Índice
|