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FERREIRA GULLAR
Relações perigosas
Já que, neste momento, você
não tem o que fazer (do contrário, não estaria lendo esta crônica), proponho-lhe refletir sobre
a seguinte questão: existe relação
causal -isto é, de causa e efeito- entre o funcionamento dos
órgãos sexuais e o funcionamento
cerebral? Melhor dizendo, transar
demais pode resultar em pensar
de menos? Ou, invertendo a pergunta: pensar demais pode ameaçar a sobrevivência da espécie?
Certas pessoas, para quem o
progresso tecnológico -fruto da
inteligência humana- pode levar ao desastre ecológico total, dirão que sim, ameaça; já outros,
para os quais a inteligência é a
própria essência do homem, dirão
que não, e podem alegar que as
espécies animais que se extinguiram não eram dotadas de inteligência.
Mas você há de se perguntar por
que venho agora, a propósito de
nada, levantar essa questão. Respondo que, na verdade, não é a
propósito de nada, mas de uma
notícia que li, faz alguns dias, sobre morcegos. A notícia dizia, resumindo-a, que alguns morcegos
machos têm de pagar um preço
para manter seu poder de reprodução: ter cérebros menores.
Pesquisadores da Universidade
de Syracuse, de Nova York, observaram que, em determinadas espécies, cujas fêmeas são promíscuas, os machos têm testículos
maiores e cérebros menores. Conforme os autores da pesquisa, se a
morcego fêmea acasala com mais
de um macho, fica estabelecida a
competição: quem ejacular o
maior número de espermatozóides vence a disputa. Pelo menos,
isso é o que assegura o biólogo
Scott Pitwick, coordenador do estudo, que analisou 374 espécies. A
conclusão, segundo ele, é que, neste caso, tamanho é documento.
O aspecto mais curioso desse estudo, que foi publicado na revista
"Proceedings of the Royal Society:
Biological Science", é a comprovação de que, pelo menos alguns
animais, durante o processo evolutivo, trocam desenvolvimento
intelectual pela capacidade reprodutiva, conforme explica David Hoskens, biólogo do Centro de
Ecologia e Conservação da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Segundo ele, os morcegos priorizam os testículos e esse investimento tem de sair de algum lugar, já que nenhum benefício é
grátis. É mais ou menos -digo
eu- como no capitalismo, aliás,
como na economia: o dinheiro
que se investe em determinado setor saiu de algum outro; não existe mágica nem milagre.
O cientista explica que o corpo
do macho canaliza a energia para
aumentar os testículos e conseguir, assim, maior vantagem para
se adaptar à situação nova, criada pela solicitação sexual das fêmeas. O que me intriga é que essa
energia, que lhe faz crescer os testículos, tenha que sair-lhe do cérebro, disso resultando que, no caso
dos morcegos pelo menos, quanto
maiores os testículos, menores os
miolos.
Já se viu que esse incremento
testicular é determinado pela necessidade de aumentar a produção de esperma, e que essa produção resulta da solicitação sexual
de certas morcegas insaciáveis.
São elas que, desrespeitando as
normas da monogamia, seduzem
os parceiros das outras, com a
conseqüência lamentável -do
ponto vista intelectual- de terem eles o cérebro diminuído. Em
compensação -alegarão outros,
defensores da liberação sexual e
do hedonismo-, têm mais prazer, o que remete a uma nova
questão, que é saber se o prazer
sexual é superior ao prazer intelectual que, no caso dos morcegos,
não sei avaliar. E, no caso dos humanos, também não.
O que de fato me grila, nesse assunto, é por que, para crescerem
os testículos, têm que diminuir
exatamente o cérebro; não poderia, por exemplo, diminuírem as
asas, as patas, o estômago? Dizem
os cientistas que o fator determinante dos processos biológicos
-e dos outros- é o acaso, que é,
como se sabe, o contrário de Deus,
razão por que seria injusto responsabilizá-lo pela redução da
capacidade intelectual dos morcegos. O acaso formou o morcego
tal como ele é hoje, e ele poderia
permanecer com seus testículos
proporcionais ao cérebro, não fossem as morcegas desavergonhadas que -por acaso ou por necessidade- só pensam "naquilo".
Pode-se alegar a favor delas que
agem para garantir a sobrevivência da espécie, dado que têm um
só filhote por ninhada e apenas
duas tetas.
Deixando de lado o caso de Batman, não sei se essa relação cérebro-testículos se mantém nos humanos. Entre os morcegos, os monogâmicos têm cérebro e testículos de tamanho normal; a questão
é saber se ocorre o mesmo com os
cidadãos bem casados, que não
pulam a cerca. E os devassos, teriam a atividade mental proporcionalmente inversa à sua atividade sexual? Ou, falando francamente, transar muito faz o cara
ficar burro? Não garanto, mas a
verdade é que o povo, sem qualquer base científica, costuma dizer de certos homens que "têm os
testículos no lugar do cérebro". De
qualquer modo, tanto no caso dos
morcegos como no dos humanos,
a culpa caberia à fêmea que, a
exemplo de Eva, arrasta o cara
para o mau caminho. Dizem até
que Adão, antes de conhecê-la,
era muito mais inteligente. Do
que duvido.
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