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Antagonismos guiam monólogo
Clarice Niskier leva à cena questões do livro "A Alma Imoral", que defende transgressões sobre certas verdades
Com supervisão de Amir Haddad, peça adapta pensamentos do rabino Nilton Bonder e deu à atriz o Prêmio Shell RJ 2007
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 16 anos, a atriz carioca
Clarice Niskier, 48, escreveu
um poema no qual expressava o
desejo de ganhar os mares em
um veleiro, mas também de
construir uma casa; de amar
profundamente um homem só,
mas também de experimentar
mil amores.
"Sempre me vi como uma natureza dividida, como se algo
estivesse errado em mim. Fui
guardando essa coisa estranha,
como se nunca estivesse totalmente adaptada às escolhas por
sempre deixar algo de lado", diz
a intérprete do monólogo "A
Alma Imoral", Prêmio Shell RJ
2007 de melhor atriz, que tem
pré-estréia hoje no teatro Eva
Herz, da Livraria Cultura.
Niskier diz ter visto no livro
homônimo do rabino Nilton
Bonder a compreensão para esses aparentes antagonismos,
mais conexos do que supunha.
O espetáculo é como que endereçado à "dona Léa", a telespectadora que certa vez puxou
a orelha de Niskier no ar, numa
roda de entrevistados, por meio
de um fax: "Minha filha, não
existe "judia budista". Ou você é
bem judia ou você é bem budista". Bonder também participava do programa, por ocasião do
lançamento de seu livro, e esse
encontro gerou a peça.
A atriz diz buscar ser o mais
fiel possível ao texto estruturado em passagens bíblicas (Velho Testamento, as filhas de
Lot, Sodoma e Gomorra), parábolas da sabedoria judaica e incursões pela contemporaneidade, como o genoma humano.
"Tenho uma visão cabalística
do casamento, dos significados
de honestidade, ética, traição,
do certo e do errado; o quanto
transgredir é preservar a tradição e, ao contrário, o quanto
preservar a tradição resulta em
infidelidade", diz Niskier.
A atriz não acha que a receptividade do espetáculo espelhe
os tempos de culto à auto-ajuda. "Auto-ajuda significa um
pouco seguir regras. "A Alma
Imoral" não é uma fórmula. É
um jeito racional de tentar
compreender nossa natureza.
Uma frase-chave da peça é:
"Não há nudez na natureza". Ou
seja, estamos entre vestir a civilização e a nossa essência."
Com 26 anos de carreira (representou Eurípides, Shakespeare, Brecht, Dostoiévski,
Nelson, Clarice Lispector etc.),
Niskier diz que assumiu os riscos do processo de criação ao
desnudar-se por completo, inclusive do corpo moral, para revelar o que chama de sentimentos profundos sobre si e a humanidade. Quem agarrou firme
em suas mãos para seguir
adiante foi o diretor Amir Haddad, que assina a supervisão.
E o viés religioso? "É um texto que tem sua religiosidade.
Mas não é um cara do mundo
da religião que vem dizer que a
desobediência é sagrada, que
muitas vezes você tem de abandonar sua casa e partir, como
Abraão, ou mesmo questionar
Deus, não no sentido do desrespeito, mas da esperança de que
ele também compreenda o seu
amor por um filho e não peça
que o sacrifique", diz Niskier.
A ALMA IMORAL
Onde: teatro Eva Herz - Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, tel. 0/xx/11/3170-4059)
Quando: estréia hoje, para convidados;
temporada a partir de 14/3; sex. e sáb.,
às 21h, e dom., às 19h. Até 15/6
Quanto: R$ 50
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