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ENTREVISTA
MARCELO
GLEISER
Estou voltando às raízes da ciência
Físico conta por que desistiu da busca pela teoria final da origem do cosmo e adotou uma perspectiva mais empírica
DA REPORTAGEM LOCAL
O novo livro do físico Marcelo Gleiser, 50, pode ser visto como um contraponto a um clássico da divulgação científica, "O
Universo Elegante", de Brian
Greene, defensor da chamada
teoria das supercordas. Segundo essa linha de pesquisa, partículas elementares não são os
componentes mais básicos da
matéria, e sim minúsculas cordas que vibram em um universo de 11 dimensões.
Em "A Criação Imperfeita", o
físico brasileiro ataca ideias por
trás desse tipo de especulação,
que partem do princípio de que
existem simetrias ocultas por
trás de uma realidade complexa. Em entrevista à Folha,
Gleiser explica por que ele próprio mudou de ideia.
(RG)
FOLHA - Por que o sr. não acredita
que toda a física possa ser unificada
em uma única teoria? É uma questão de limitação técnica ou o sr.
acredita que não exista uma natureza única subjacente a tudo?
MARCELO GLEISER - Existe um lado pragmático nessa pergunta,
porque as informações que nós
temos do mundo dependem
daquilo que podemos medir. E
o que podemos medir é limitado, pois nossos instrumentos
têm precisão e alcance limitados. Então, sempre haverá algo
sobre o mundo natural que não
saberemos. Estou voltando às
raízes das ciências naturais
concebidas como ciências empíricas, e não metafísica.
O que eu tento dizer é que
não há razão concreta empírica
para a gente acreditar em uma
unidade por trás de todas as
coisas. Nesse livro, eu confronto a corrente dominante de
pensamento na física de altas
energias, que prega a busca de
uma teoria unificada. Existe
uma outra maneira de pensar o
mundo que não é por simetrias.
É justamente o oposto: mostrar
que as assimetrias é que são importantes. Isso cria toda uma
nova estética da natureza.
FOLHA - A desistência da busca por
uma teoria final não pode soar como "derrotismo'? Que tipo de reação o sr. espera de outros físicos?
GLEISER - Já existe um grupo
que nunca gostou dessas ideias
de unificação e acha isso metafísica. Mas o pessoal da área de
supercordas -como Brian
Greene e Leonard Susskind,
que se acham os caras mais importantes do mundo- defende
isso. A Instituição Smithsonian
queria fazer um debate comigo
e com Greene, mas ele não topou. Também não sou dono da
verdade a ponto de dizer "parem de trabalhar nas supercordas". O que digo é que, mesmo
que eles cheguem a uma descrição razoável desse assunto, ela
não será "a" teoria final.
FOLHA - A busca de simetria em
teorias tem a ver com busca de simplicidade. Porque isso é ruim?
GLEISER - Não tenho dúvida de
que a busca por simetrias na
natureza vai continuar a ser
importante. Meu livro não é
contra a simetria. Isso seria errado. A ideia de busca pela unificação pode continuar a funcionar e a inspirar muitas pessoas, mas é um erro transformar essa noção em dogma.
FOLHA - O sr. critica o fato de as supercordas serem muito especulativas. Teorias não precisam ser especuladas antes de serem provadas?
GLEISER - Não estou dizendo
que especulação é besteira. Pelo contrário: é preciso continuar a fazê-la. Agora, existe o
perigo de você perder a noção
de o que deve ou não ser feito.
A ideia de supersimetria [a simetria entre partículas embutida na teoria das supercordas],
por exemplo, foi proposta em
1974. Ela fez uma porção de
previsões sobre alguns efeitos
que poderiam ser observados
em aceleradores de partículas a
energias alcançáveis. Vários
desses efeitos poderiam ter sido descobertos, mas não foram.
O que foi feito então? Voltaram
à teoria, ajustaram alguns parâmetros, mas aí ela não poderia
mais ser testada com a energia
disponível nos aceleradores de
partículas de então. Seria preciso esperar mais uns 15 anos. Assim, a coisa vira um ciclo.
FOLHA - A tese da "navalha de Occam" diz que é preciso achar a teoria
mais simples possível para descrever um fenômeno. O sr. concorda?
GLEISER - A navalha de Occam é
válida, mas é levada a sério demais. Como você define simplicidade? Simplicidade é beleza?
Aí a discussão se complica. A
simplicidade às vezes tem mais
a ver com facilidade de implementação, manipulação e um
uso pragmático da teoria.
FOLHA - O sr. argumenta que a religião monoteísta inspirou a busca
pela teoria final, mas critica autores
como Richard Dawkins e Daniel
Dennett por ofenderem a religião.
Seu livro não faz algo parecido?
GLEISER - Meu livro é antimonoteísta e critica a noção de que
tudo vem de uma coisa só. Não
escondo isso. E eu argumento
que o "sobrenaturalismo" não é
o caminho do conhecimento.
Mas eu tenho a humildade, que
Dawkins não tem, de aceitar
que a ciência tem seu limite. Há
questões além desse limite sobre as quais a ciência tem pouco a dizer. Se você me perguntar se eu sou ateu ou agnóstico,
vou dizer que sou agnóstico.
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