São Paulo, sábado, 12 de março de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Obras de Schnitzler retratam desencantos da burguesia

Melancolia dá o tom em dois romances do autor relançados pela Record

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Endurecer-se: estava nisso, provavelmente, o maior imperativo moral a ser seguido por qualquer jovem de classe alta, pelo menos até começos do século 20.
Não era apenas a necessidade de formar o "caráter" (e esse termo ainda hoje tem conotações de severidade e rigidez). Tratava-se também de uma questão de sobrevivência pessoal.
O rapaz que se tornaria, na vida adulta, oficial de Exército ou capitão de indústria não poderia se dar ao luxo de grandes sentimentos.
Sabe-se o preço que esse tipo de formação cobraria, em termos de felicidade e equilíbrio psicológico, sobre os homens da burguesia e da nobreza europeia, e especialmente sobre suas mulheres, amantes e filhos.
A Viena de fins do século 19 e começos do século 20 parece ter sido um dos lugares em que o molde explodiu com violência.
O mundo da disciplina e do autocontrole não era mais compatível com a inquietação cultural, os prazeres crescentes da vida urbana e o ingresso das mulheres no mercado do trabalho, que faziam da capital do Império Austro-Húngaro um dos centros mundiais da "doçura de viver".
Ao lado das confeitarias, operetas e mocinhas suburbanas prestativas, Viena era também a capital dos suicídios, das vocações frustradas, das doenças venéreas e mentais.

MORTE E SUICÍDIO
Era a cidade de Freud, e também a do médico e escritor Arthur Schnitzler (1862-1931), cujas principais obras vão sendo publicadas no Brasil pela editora Record.
Depois de "Crônica de uma Vida de Mulher", saem agora "O Médico das Termas" e "O Caminho para a Liberdade", sempre com tradução, posfácio e notas de Marcelo Backes. Outros quatro volumes vêm aí.
"O Médico das Termas" é uma trama curta, que se lê com a respiração suspensa.
Num estilo estranhamente sossegado, como se os olhos do escritor estivessem em repouso, acumulam-se presságios de doença, morte e suicídio sobre as duas ou três mulheres, bonitas mas fragilizadas, que cruzam seu caminho com o dr. Gräsler, solteirão de meia-idade e de poucas ambições.
Com quem se casar? Que mulher, afinal, de fato "vale a pena"? Como preservar-se de uma grande paixão? De quanta anestesia, e de quanto sofrimento, se necessita para levar adiante uma carreira de sucesso?

EXTENSO DEMAIS
As dúvidas do médico reaparecem, de forma mais extensa, na mente do jovem barão e compositor Georg von Wergenthin em "O Caminho para a Liberdade".
Extensa demais, talvez. As 500 e tantas páginas desse ambicioso romance, em que se reconhecem algumas figuras reais da Viena de Schnitzler (a começar do próprio autor, notável dom Juan às voltas com os próprios escrúpulos), expandem-se, de forma um tanto datada, em discussões estéticas e trocas de aforismos espirituosos.
Textos mais curtos, como "O Médico das Termas" e o "Breve Romance de Sonho" (Companhia das Letras), que deu origem ao filme "De Olhos Bem Abertos" (1999), de Stanley Kubrick, são a melhor porta de entrada para o universo de Schnitzler.
Para conhecê-lo bem, e inteirar-se das relações entre nobreza, burguesia, sionismo, antissemitismo, socialismo, vocação artística e casamento na "belle époque" austríaca, "O Caminho para a Liberdade" é uma obra importante, mas cujo poder emocional e estético só se manifesta plenamente (e como!) nos capítulos finais.

O CAMINHO PARA A LIBERDADE

AUTOR Arthur Schnitzler
EDITORA Record
TRADUÇÃO Marcelo Backes
QUANTO R$ 59,90 (544 págs.)
AVALIAÇÃO bom

O MÉDICO DAS TERMAS

QUANTO R$ 33,90 (192 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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