São Paulo, Sexta-feira, 12 de Março de 1999
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CINEMA - O QUARTO VERDE
Filme de 78 mostra lado lúgubre de Truffaut

da Equipe de Articulistas

Quando foi lançado, em 1978, "O Quarto Verde" foi considerado uma obra menor de François Truffaut.
Hoje, passados mais de 20 anos, é possível apreciar melhor o mórbido lirismo do filme, que contrasta com a luminosidade dos clássicos mais conhecidos do cineasta.
A trama de "O Quarto Verde" inspira-se em dois contos do escritor norte-americano Henry James (1843-1916), "O Altar dos Mortos" e "Os Amigos dos Amigos", transpondo seu entrecho para a França da década de 20.
Na versão de Truffaut, o protagonista, Julien Davenne (interpretado pelo próprio diretor), é um homem que vive para o culto de seus mortos -a esposa Julie e os amigos que ele viu morrer nas trincheiras da Primeira Guerra.
Davenne trabalha como redator num pequeno jornal de província e vive recluso numa pensão, sem prazeres e sem amigos.
Um dia conhece uma jovem, Cecilia (Nathalie Baye), que compartilha com ele o amor aos mortos, mas não a indiferença pelos vivos.
O filme se constrói todo em torno da tensão entre o impulso de vida de Cecilia -que implica compromisso com o que é transitório e imperfeito- e o ascetismo irredutível de Davenne, que não perdoa, por exemplo, um amigo viúvo por ter-se casado de novo, "traindo" a primeira mulher.
Foi justamente o jogo entre o contingente e o absoluto, tão caro a James e ao próprio Truffaut, que motivou o cineasta a mergulhar de corpo e alma no filme.
Sua decisão de interpretar o papel do protagonista, em vez de entregá-lo a um ator profissional, é uma prova do envolvimento íntimo do diretor com seu tema.
""O Quarto Verde" é como uma carta escrita à mão. Escrita à mão, a carta não sai perfeita, a letra talvez fique um tanto tremida, mas ela é sua, é a sua escrita", resumiu Truffaut numa entrevista.
O cineasta aproveita também para homenagear, com fotos que aparecem no altar dos mortos construído pelo protagonista, seus autores mais queridos: James, Proust, Wilde, Cocteau.
A atmosfera lúgubre criada pela esplêndida fotografia de Nestor Almendros, pela luz de velas, pelos muitos espelhos e pela predominância de cenas internas adequa-se à perfeição à história que Truffaut tem a contar.
Se há uma coisa a lamentar no filme é o excesso de verbalização, sobretudo a explicitação, pela heroína, de seu amor por Davenne.
Enquanto o esboço de romance entre os dois personagens permanece não dito, funciona como uma força subterrânea que anima o filme.
Depois que se revela, o drama perde muito do seu interesse.
De todo modo, é um prazer ver Truffaut em cena, defendendo como pode a dignidade austera e quase doentia de seu personagem -um personagem tão distante do homem que amava as mulheres, o cinema e a vida.
(JOSÉ GERALDO COUTO)

Filme: O Quarto Verde Produção: França, 1978 Direção: François Truffaut Com: François Truffaut, Nathalie Baye, Jean Dasté, Jean-Pierre Moulin Quando: a partir de hoje, na Sala Cinemateca


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