São Paulo, Sexta-feira, 12 de Março de 1999
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Filme revela alma de mestre do terror

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Talvez a única forma consequente de fazer críticas de cinema seja por meio de filmes. Nesse caso, as imagens dialogariam com outras imagens, e não com palavras.
É bem isso o que empreende Bill Condon em "Deuses e Monstros", que retoma os últimos dias da vida de James Whale -o criador de "Frankenstein", o grande mestre do terror dos anos 30, ao lado de Tod Browning.
Se não servisse para mais nada, "Deuses e Monstros" ainda serviria para lançar uma luz na figura do monstro de Frankenstein, tal como criado por Whale em 1931 e retomado por ele mesmo em "A Noiva de Frankenstein", em 1935.
O que faz o filme dirigido por Condon é nos mostrar um homossexual convicto, solitário, banido de Hollywood e nos aproximar do monstro assustador, desengonçado e poético cuja imagem Whale forjou com seu próprio desenho.
Nenhuma semelhança física: Whale é um dândi. O resto é semelhança. Pois a monstruosidade, de que foi um poeta, está em cada homem, é um abismo, e esse abismo está em cada um de nós.
Certo, essa história de abismo ele mesmo usa para cantar seu jovem e reticente jardineiro (Brendan Fraser). Mas nem por isso deixa de ser verdadeira, isto é, percebe-se que ela fundamenta sua vida.
Esses últimos dias de Whale são vistos justamente a partir de sua amizade com o jardineiro, que posa para ele, escuta-o, suscita suas lembranças e visões do passado, mas não se torna seu amante. Em troca, dedica-lhe uma sincera amizade, que vem em grande parte da admiração por "Frankenstein", mas se torna admiração por esse homem que convive com a idéia da morte permanentemente (e que, como se dá a entender, tinha o hábito de se deixar espancar -talvez como uma forma de masoquismo, talvez por saber que espancamentos podem redundar em morte).
Se sugere por vezes a idéia de um James Whale morto-vivo, "Deuses e Monstros" está longe de nos mostrar uma espécie de zumbi. Não importa qual fosse o tamanho do seu amargor (com a vida, com Hollywood), os diálogos do filme dão a ver um homem de grande inteligência e vivacidade, capaz de, com uma simples réplica, embasbacar Margareth, a irmã da rainha Elizabeth 2ª, e enfurecer seu anfitrião, George Cukor (também grande diretor de cinema e também homossexual).
Se "Deuses e Monstros" é um filme de formas pouco audazes, a direção de Bill Condon (também roteirista, indicado para o Oscar de melhor roteiro adaptado) está muito mais para modesta do que para burocrática.
Em lugar de pôr em relevo suas próprias virtudes, opta por servir sobretudo a seus intérpretes e, por meio deles, a seus personagens.
Nem uns nem outros negam fogo. Ian McKellen faz um Whale notável, que coloca em relevo todas as sutilezas e ambiguidades atribuídas ao personagem. Não seria nenhuma surpresa se ganhasse o Oscar de melhor ator.
Também não seria inoportuno um Oscar de melhor atriz coadjuvante para Lynn Redgrave.
Existe por fim Brendan Fraser, que faz o amigo jardineiro, hesitante, por vezes, entre a amizade e o amor, mas que termina no fim por criar de forma sublime outra linha forte do filme: a amizade como forma de amor.

Filme: Deuses e Monstros Produção: EUA, 1998 Direção: Bill Condon Com: Ian McKellen, Brendan Fraser Quando: a partir de hoje, nos cines Interlar Aricanduva 5, SP Market 11 e Cinearte 2


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