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Filme revela alma de mestre do terror
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Talvez a única forma consequente de fazer críticas de cinema seja
por meio de filmes. Nesse caso, as
imagens dialogariam com outras
imagens, e não com palavras.
É bem isso o que empreende Bill
Condon em "Deuses e Monstros",
que retoma os últimos dias da vida
de James Whale -o criador de
"Frankenstein", o grande mestre
do terror dos anos 30, ao lado de
Tod Browning.
Se não servisse para mais nada,
"Deuses e Monstros" ainda serviria para lançar uma luz na figura
do monstro de Frankenstein, tal
como criado por Whale em 1931 e
retomado por ele mesmo em "A
Noiva de Frankenstein", em 1935.
O que faz o filme dirigido por
Condon é nos mostrar um homossexual convicto, solitário, banido
de Hollywood e nos aproximar do
monstro assustador, desengonçado e poético cuja imagem Whale
forjou com seu próprio desenho.
Nenhuma semelhança física:
Whale é um dândi. O resto é semelhança. Pois a monstruosidade, de
que foi um poeta, está em cada homem, é um abismo, e esse abismo
está em cada um de nós.
Certo, essa história de abismo ele
mesmo usa para cantar seu jovem
e reticente jardineiro (Brendan
Fraser). Mas nem por isso deixa de
ser verdadeira, isto é, percebe-se
que ela fundamenta sua vida.
Esses últimos dias de Whale são
vistos justamente a partir de sua
amizade com o jardineiro, que posa para ele, escuta-o, suscita suas
lembranças e visões do passado,
mas não se torna seu amante. Em
troca, dedica-lhe uma sincera amizade, que vem em grande parte da
admiração por "Frankenstein",
mas se torna admiração por esse
homem que convive com a idéia da
morte permanentemente (e que,
como se dá a entender, tinha o hábito de se deixar espancar -talvez
como uma forma de masoquismo,
talvez por saber que espancamentos podem redundar em morte).
Se sugere por vezes a idéia de um
James Whale morto-vivo, "Deuses
e Monstros" está longe de nos
mostrar uma espécie de zumbi.
Não importa qual fosse o tamanho
do seu amargor (com a vida, com
Hollywood), os diálogos do filme
dão a ver um homem de grande inteligência e vivacidade, capaz de,
com uma simples réplica, embasbacar Margareth, a irmã da rainha
Elizabeth 2ª, e enfurecer seu anfitrião, George Cukor (também
grande diretor de cinema e também homossexual).
Se "Deuses e Monstros" é um filme de formas pouco audazes, a direção de Bill Condon (também roteirista, indicado para o Oscar de
melhor roteiro adaptado) está
muito mais para modesta do que
para burocrática.
Em lugar de pôr em relevo suas
próprias virtudes, opta por servir
sobretudo a seus intérpretes e, por
meio deles, a seus personagens.
Nem uns nem outros negam fogo. Ian McKellen faz um Whale notável, que coloca em relevo todas as
sutilezas e ambiguidades atribuídas ao personagem. Não seria nenhuma surpresa se ganhasse o Oscar de melhor ator.
Também não seria inoportuno
um Oscar de melhor atriz coadjuvante para Lynn Redgrave.
Existe por fim Brendan Fraser,
que faz o amigo jardineiro, hesitante, por vezes, entre a amizade e
o amor, mas que termina no fim
por criar de forma sublime outra
linha forte do filme: a amizade como forma de amor.
Filme: Deuses e Monstros
Produção: EUA, 1998
Direção: Bill Condon
Com: Ian McKellen, Brendan Fraser
Quando: a partir de hoje, nos cines Interlar
Aricanduva 5, SP Market 11 e Cinearte 2
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