São Paulo, Sexta-feira, 12 de Março de 1999
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"FILHOS DO PARAÍSO"
Majid Majidi faz retrato da infância urbana no Irã

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Mais um concorrente de "Central do Brasil" na disputa do Oscar de filme estrangeiro entra hoje em cartaz: o iraniano "Filhos do Paraíso", de Majid Majidi.
Também é sentimental, também tem criança pobre e também trata de uma realidade remota aos olhos do Primeiro Mundo. As semelhanças param por aí.
Distante das sutilezas narrativas (não raro metalinguísticas) das obras de Kiarostami e Makhmalbaf, "Filhos do Paraíso" pertence à linhagem de filmes iranianos cujo encanto vem de certa simplicidade de exposição, em contraste com a riqueza informativa do universo retratado.
Aqui tudo lembra "O Balão Branco", por se tratar de uma pequena saga empreendida por crianças. Mas há também ecos de "Ladrões de Bicicleta", pois um pequeno furto dá margem à revelação de todo um quadro social de escassez.
Na periferia de Teerã, Ali (Amir Hashemian), um garoto pobre de 9 anos, vai buscar no conserto os sapatos da irmã caçula, Zahra (Bahare Sediqi), e os perde no caminho.
Enquanto não conseguem encontrar os sapatos de Zahra, ou arranjar um jeito de substituí-los, os dois irmãos têm que usar, revezadamente, os velhos tênis de Ali para ir à escola (ela estuda de manhã, ele, à tarde).
Como num melodrama neo-realista, o enredo acena com diversas chances de redenção (o pai consegue um emprego melhor; Ali concorre a um par de sapatos numa maratona), para em seguida frustrá-las e lançar os personagens de volta à estaca zero.

Simplicidade enganosa
Mas a simplicidade com que essa historinha é contada talvez seja enganosa e esconda uma arguta estratégia narrativa.
Ao colocar a câmera ao nível do olhar das crianças, Majidi faz, por um lado, com que o espectador perceba a cidade como um mundo repleto de perigos e maravilhas.
Por outro lado, para o público ocidental, a própria realidade social iraniana aparece como uma espécie de infância da sociedade urbana moderna.
Nesse mundo ainda em esboço, cada coisa -um par de sapatos, um peixe dourado, uma bicicleta- ganha uma densidade tremenda, como nas narrativas primordiais.
Talvez essa seja também uma explicação para o sucesso dos filmes iranianos no Ocidente: eles proporcionam quase uma reciclagem dos nossos sentidos, embotados pela poluição visual e sonora da era da mídia e da publicidade.
Falando com desdém do cinema iraniano, Julio Bressane definiu: "Eles estão inventando o soneto". De fato. Mas será que a sensibilidade do homem pós-moderno não precisa às vezes da fruição revigorante de um bom soneto, entre uma e outra experiência de vanguarda multimídia?

Filme: Filhos do Paraíso Produção: Irã, 1998 Direção: Majid Majidi Com: Amir Farrokh Hashemian, Amir Naji, Bahare Sediqi Quando: a partir de hoje, no SP Market 6 e no Espaço Unibanco 2


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