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"FILHOS DO PARAÍSO"
Majid Majidi faz retrato da infância urbana no Irã
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Mais um concorrente de "Central do Brasil" na disputa do Oscar
de filme estrangeiro entra hoje em
cartaz: o iraniano "Filhos do Paraíso", de Majid Majidi.
Também é sentimental, também
tem criança pobre e também trata
de uma realidade remota aos olhos
do Primeiro Mundo. As semelhanças param por aí.
Distante das sutilezas narrativas
(não raro metalinguísticas) das
obras de Kiarostami e Makhmalbaf, "Filhos do Paraíso" pertence à
linhagem de filmes iranianos cujo
encanto vem de certa simplicidade
de exposição, em contraste com a
riqueza informativa do universo
retratado.
Aqui tudo lembra "O Balão Branco", por se tratar de uma pequena
saga empreendida por crianças.
Mas há também ecos de "Ladrões
de Bicicleta", pois um pequeno
furto dá margem à revelação de todo um quadro social de escassez.
Na periferia de Teerã, Ali (Amir
Hashemian), um garoto pobre de 9
anos, vai buscar no conserto os sapatos da irmã caçula, Zahra (Bahare Sediqi), e os perde no caminho.
Enquanto não conseguem encontrar os sapatos de Zahra, ou arranjar um jeito de substituí-los, os
dois irmãos têm que usar, revezadamente, os velhos tênis de Ali para ir à escola (ela estuda de manhã,
ele, à tarde).
Como num melodrama neo-realista, o enredo acena com diversas
chances de redenção (o pai consegue um emprego melhor; Ali concorre a um par de sapatos numa
maratona), para em seguida frustrá-las e lançar os personagens de
volta à estaca zero.
Simplicidade enganosa
Mas a simplicidade com que essa
historinha é contada talvez seja enganosa e esconda uma arguta estratégia narrativa.
Ao colocar a câmera ao nível do
olhar das crianças, Majidi faz, por
um lado, com que o espectador
perceba a cidade como um mundo
repleto de perigos e maravilhas.
Por outro lado, para o público
ocidental, a própria realidade social iraniana aparece como uma espécie de infância da sociedade urbana moderna.
Nesse mundo ainda em esboço,
cada coisa -um par de sapatos,
um peixe dourado, uma bicicleta- ganha uma densidade tremenda, como nas narrativas primordiais.
Talvez essa seja também uma explicação para o sucesso dos filmes
iranianos no Ocidente: eles proporcionam quase uma reciclagem
dos nossos sentidos, embotados
pela poluição visual e sonora da
era da mídia e da publicidade.
Falando com desdém do cinema
iraniano, Julio Bressane definiu:
"Eles estão inventando o soneto".
De fato. Mas será que a sensibilidade do homem pós-moderno não
precisa às vezes da fruição revigorante de um bom soneto, entre
uma e outra experiência de vanguarda multimídia?
Filme: Filhos do Paraíso
Produção: Irã, 1998
Direção: Majid Majidi
Com: Amir Farrokh Hashemian, Amir Naji,
Bahare Sediqi
Quando: a partir de hoje, no SP Market 6 e
no Espaço Unibanco 2
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