São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 2002

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"WAKING LIFE"

Exuberância realça filme-cabeça

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Poucas coisas são mais maçantes do que relatos de sonhos, sobretudo se eles pertencem aos outros. Essa premissa é o ponto de partida de "Waking Life", menos um filme sobre sonhos do que um filme-sonho.
A idéia do diretor Richard Linklater (do ótimo "Antes do Amanhecer") é original. Só com um câmera e um operador de som, filmou uma série de situações em vídeo digital. Nelas, um fio narrativo bastante tênue acompanha as incertezas de um rapaz, que nunca sabe se suas experiências são sonho ou realidade.
Depois de editado, o material filmado foi entregue a uma equipe de animadores, cuja tarefa foi reimaginar o filme, da mesma forma que supomos que artistas recriam a realidade.
O resultado é desigual. A parte textual é composta por uma série de esquetes e quase nenhuma unidade narrativa. As associações são livres, como num sonho. Mas seu significado é problemático.
Pois os diálogos, em sua maioria, se resumem a platitudes pseudofilosóficas, a "cabecices", a insights de mesa de boteco. Temas que vão da existência ao evolucionismo, da reencarnação à relação entre alma e espírito são tratados com tanta inconsistência quanto as imagens que temos nos sonhos.
Por outro lado, a face estética do filme é exuberante. Cada encontro foi recriado por um desenhista diferente, todos em momento de grande inspiração pictórica.
Os planos de realidade se sobrepõem, se movem, as cores se alternam, os traços são fluidos, compondo uma sucessão extraordinária de quadros vivos.
Essa ambiguidade entre texto e imagem é intencional. Como nos sonhos, os significados têm importância pessoal. Portanto é desculpável que Linklater na maior parte abuse da paciência do espectador com suas digressões infindáveis. Pois, ao mesmo tempo, para os olhos, seu filme oferece uma experiência que simula com bastante fidelidade aquelas que temos de olhos fechados.
Na contramão de uma estética cinematográfica contemporânea, cuja ênfase hiperrealista sufoca o espectador com efeitos especiais, "Waking Life" acerta ao apostar numa espécie de infra-realismo, não aquém das coisas, mas interior a elas, capaz de reproduzir parte de suas infinitas nuanças.
Na medida em que essa experiência dissolve as certezas, ela amplia seus significados. Basta manter os olhos bem abertos.


Waking Life    
Direção: Richard Linklater
Produção: EUA, 2001
Com: Peter Atherton, Ethan Hawke
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes e Unibanco Arteplex




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