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"WAKING LIFE"
Exuberância realça filme-cabeça
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Poucas coisas são mais maçantes do que relatos de sonhos, sobretudo se eles pertencem aos outros. Essa premissa é o
ponto de partida de "Waking Life", menos um filme sobre sonhos
do que um filme-sonho.
A idéia do diretor Richard Linklater (do ótimo "Antes do Amanhecer") é original. Só com um
câmera e um operador de som,
filmou uma série de situações em
vídeo digital. Nelas, um fio narrativo bastante tênue acompanha as
incertezas de um rapaz, que nunca sabe se suas experiências são
sonho ou realidade.
Depois de editado, o material
filmado foi entregue a uma equipe de animadores, cuja tarefa foi
reimaginar o filme, da mesma forma que supomos que artistas recriam a realidade.
O resultado é desigual. A parte
textual é composta por uma série
de esquetes e quase nenhuma
unidade narrativa. As associações
são livres, como num sonho. Mas
seu significado é problemático.
Pois os diálogos, em sua maioria, se resumem a platitudes pseudofilosóficas, a "cabecices", a insights de mesa de boteco. Temas
que vão da existência ao evolucionismo, da reencarnação à relação
entre alma e espírito são tratados
com tanta inconsistência quanto
as imagens que temos nos sonhos.
Por outro lado, a face estética do
filme é exuberante. Cada encontro foi recriado por um desenhista
diferente, todos em momento de
grande inspiração pictórica.
Os planos de realidade se sobrepõem, se movem, as cores se alternam, os traços são fluidos, compondo uma sucessão extraordinária de quadros vivos.
Essa ambiguidade entre texto e
imagem é intencional. Como nos
sonhos, os significados têm importância pessoal. Portanto é desculpável que Linklater na maior
parte abuse da paciência do espectador com suas digressões infindáveis. Pois, ao mesmo tempo,
para os olhos, seu filme oferece
uma experiência que simula com
bastante fidelidade aquelas que
temos de olhos fechados.
Na contramão de uma estética
cinematográfica contemporânea,
cuja ênfase hiperrealista sufoca o
espectador com efeitos especiais,
"Waking Life" acerta ao apostar
numa espécie de infra-realismo,
não aquém das coisas, mas interior a elas, capaz de reproduzir
parte de suas infinitas nuanças.
Na medida em que essa experiência dissolve as certezas, ela
amplia seus significados. Basta
manter os olhos bem abertos.
Waking Life
Direção: Richard Linklater
Produção: EUA, 2001
Com: Peter Atherton, Ethan Hawke
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes e Unibanco Arteplex
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