São Paulo, sábado, 12 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BRET EASTON ELLIS

Autor de "Psicopata Americano" fala sobre a "tirania da beleza"

Chega "Glamorama", livro que estraga as celebridades

CASSIANO ELEK MACHADO
EM MADRI

Bret Easton Ellis é o rato e o gato que corre atrás dele mesmo. Aos 37 anos, é um dos poucos escritores do mundo que não tem receio em dizer: "Sou uma celebridade". Mais ainda. O autor californiano não tem pudor em agir como celebridade.
Assim como a estrela de rock que deixa escapar que tem 300 toalhas brancas em seu camarim, ele não hesita em "revelar" que, momentos antes de falar com a Folha, estava sentado, lendo um ensaio e tomando sopa de cenoura com gengibre.
E assim vai, seja na menção passageira de sua internação em uma clínica para viciados em drogas ou na afirmação de que seu polêmico livro "Psicopata Americano" (transformado em filme, assim como seu "Abaixo de Zero", que lançou aos 21 anos) foi tema de mais de um milhar de resenhas (boa parte delas negativas, ele mesmo diz).
Sai o rato, entra o gato. "Glamorama", o livro mais recente de Ellis, vai até a medula da celebridade com a clara intenção de demonstrar como ela pode ser (ou é) patética.
O romance, que está sendo lançado no Brasil -e também na Espanha-, se passa em um ambiente semelhante ao que descreveria uma revista "Caras" do universo mais pop, rico e bronzeado de Nova York.
Como coadjuvantes dos personagens que criou, o escritor coloca mais de mil (sim, um jornalista da revista norte-americana de Internet "Salon.com" diz ter feito as contas) personalidades reais dos universos da moda, da TV, do cinema e de outras áreas correlatas.
Segundo o autor, são eles, mas não só eles, os responsáveis, e também os resultados, da consolidação de uma "tirania da beleza": a valorização exagerada que a sociedade dá à beleza física de homens e mulheres.
Leia a seguir trechos da entrevista em que Ellis, que se descreve como "o romancista que recebeu as piores resenhas da América", coloca no espelho beleza, celebridade e riqueza, o tripé essencial de "Glamorama", comenta a celebridade do escritor mais recluso do planeta, J.D. Salinger, e adianta o tema de seu próximo livro: ele mesmo, o gato e o rato.

Folha - "Glamorama" é um romance em que todos são ricos, famosos, bonitos ou todas as anteriores. Mas você parece mais sarcástico com a obsessão pela beleza do que com a busca desenfreada por riqueza ou celebridade. Por quê?
Bret Easton Ellis -
Vivemos hoje uma espécie de tirania da beleza. Beleza vale dinheiro e fama. É padronizada e necessária. A beleza-padrão não é feita apenas pela indústria da moda. Não é um problema de roupas, de designers, de fotógrafos ou modelos. É deles sim, mas é também uma construção coletiva. O problema é que viramos uma sociedade que relaciona prestígio, status e importância com beleza e não com talento, com capacidade de educar, de realizar tarefas construtivas. Isso muda muito o horizonte das coisas. Pelo menos no Ocidente, se você é um professor, você não é valorizado. Se você é uma supermodelo, se tem sorte na sua genética, então você é considerado importante na sociedade. Você tem dinheiro, os homens ou mulheres que quiser, as portas todas abertas. Você tem liberdade.

Folha - Os bonitos de "Glamorama" não acabam muito contentes. Você acredita que uma "tirania da feiúra" traria mais felicidade?
Easton Ellis -
Talvez não. Daria no mesmo. Seria igualmente exclusiva. O que vou falar vai soar muito fácil, mas acredito que só haverá felicidade quando as pessoas forem o que elas são. E isso não é fácil. Mesmo as pessoas que acreditam estar mais imunes à tirania do belo sofrem com o "você deve ser assim".

Folha - Até que ponto "Glamorama" reflete algo "de você como você é"? De que modo a fama trazida pela repercussão que conseguiu com "Psicopata...", seu romance anterior, lhe ajudou a moldar o universo da celebridade que você descreve em "Glamorama"?
Easton Ellis -
Na verdade, comecei "Glamorama" antes da publicação de "Psicopata Americano". Depois que o livro saiu, virei de certa forma uma celebridade, fui impulsionado para a notoriedade. Quando isso aconteceu, eu tinha escrito umas 80 páginas de "Glamorama". Minha celebridade influenciou o modo como decidi escrever o resto do livro. Não em termos da história, mas sim nas cores que usei. O livro já ia ser um comentário sobre celebridades e sobre uma sociedade obcecada com beleza. Depois do sucesso, isso ficou mais cheio de detalhes.

Folha - E o que você acha da sua celebridade?
Easton Ellis -
Acredite, eu acho ridícula e muito mais dolorosa do que proveitosa. Mas penso que sem ela "Glamorama" não teria sentido. A crítica americana atacou justamente esse ponto. O fato de ser um livro anticelebridades feito por uma delas. A meu ver, só poderia escrevê-lo alguém que provou a celebridade.

Folha - O que você acha da atitude de um escritor como J.D. Salinger, que há 40 anos se isolou do resto do mundo, não fala com a imprensa, não publica nada e não se deixa fotografar?
Easton Ellis -
É a maior celebridade do mundo, justamente porque fez o que fez. Essa é a grande piada sobre Salinger. Ele é puro showbusiness. Escrever um dos maiores romances do século e depois se esconder é a receita ideal para virar um imortal. Isso fez dele alguém mais famoso do que jamais seria. É o mesmo para astros que morrem cedo. Se James Dean tivesse vivido até os 65 anos, não seria o que é. Quando algum jovem escritor diz que Salinger é o ideal em termos de evitar a fama, eu penso: bobagem. Salinger esteve na capa da revista "Time", esteve nas festas, conheceu o universo da mídia nos anos 50 e provavelmente ficou cansado disso, mas não imagino que ele fez o que fez para ser esquecido.

Folha - Salinger nunca permitiu que "O Apanhador no Campo de Centeio" e seus outros livros virassem filmes. Você já vendeu para o cinema tanto "Abaixo de Zero" quanto "Psicopata Americano". Existe algum projeto cinematográfico para "Glamorama"?
Easton Ellis -
Há um filme em produção, mas não estou muito envolvido. Só espero, como um romancista que já foi filmado, é que seja algo ok, que não seja embaraçoso. "Abaixo de Zero", o primeiro, foi embaraçoso. Do segundo, até gostei. Era bastante fiel ao livro em termos de diálogos.

Folha - O filme de "Psicopata Americano" foi mais elogiado que o livro, não?
Easton Ellis -
Sem dúvidas. Já disse e repito: sou o romancista que recebeu as piores resenhas da América. Juro que se há alguém que leu todas elas fui eu. Minha editora juntava todas. Eles nem queriam passá-las para mim, de tão ruins. Eu é que exigi. Nunca vi, em muitos anos lendo resenhas e biografias de escritor alguém tão castigado pelos resenhistas como eu. Recebi até ameaça de morte. A reputação do livro mudou mais tarde. De dez anos para cá a coisa mudou. Muitos críticos ainda não gostam de meu trabalho. Mas tenho muitos admiradores.

Folha - O que eles podem esperar do próximo livro. Você já desconstruiu o universo dos yuppies, em "Psicopata Americano", e depois o mundo da moda, em "Glamorama". Qual será a próxima desconstrução?
Easton Ellis -
De mim. Vou desconstruir a mim mesmo. Estou começando um romance autobiográfico. Nunca escrevi sobre coisas concretas de minha vida.

Folha - E qual será o título?
Easton Ellis -
Já sei qual será, mas não posso, por contrato, dizer para ninguém.

Folha - Quando ficará pronto?
Easton Ellis -
Espero que antes de eu completar 40 anos. Eu não quero esperar oito anos fazendo um romance, como em "Glamorama". Estou com 37 e me dou mais dois ou três anos para terminar.




Texto Anterior: Crítica: Nada a ver, mas tudo a ver
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.