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BRET EASTON ELLIS
Autor de "Psicopata Americano" fala sobre a "tirania da beleza"
Chega "Glamorama", livro que estraga as celebridades
CASSIANO ELEK MACHADO
EM MADRI
Bret Easton Ellis é o rato e o gato
que corre atrás dele mesmo. Aos
37 anos, é um dos poucos escritores do mundo que não tem receio
em dizer: "Sou uma celebridade".
Mais ainda. O autor californiano
não tem pudor em agir como celebridade.
Assim como a estrela de rock
que deixa escapar que tem 300
toalhas brancas em seu camarim,
ele não hesita em "revelar" que,
momentos antes de falar com a
Folha, estava sentado, lendo um
ensaio e tomando sopa de cenoura com gengibre.
E assim vai, seja na menção passageira de sua internação em uma
clínica para viciados em drogas
ou na afirmação de que seu polêmico livro "Psicopata Americano" (transformado em filme, assim como seu "Abaixo de Zero",
que lançou aos 21 anos) foi tema
de mais de um milhar de resenhas
(boa parte delas negativas, ele
mesmo diz).
Sai o rato, entra o gato. "Glamorama", o livro mais recente de
Ellis, vai até a medula da celebridade com a clara intenção de demonstrar como ela pode ser (ou é) patética.
O romance, que está sendo lançado no Brasil -e também na Espanha-, se passa em um ambiente semelhante ao que descreveria uma revista "Caras" do universo mais pop, rico e bronzeado
de Nova York.
Como coadjuvantes dos personagens que criou, o escritor coloca mais de mil (sim, um jornalista
da revista norte-americana de Internet "Salon.com" diz ter feito as
contas) personalidades reais dos
universos da moda, da TV, do cinema e de outras áreas correlatas.
Segundo o autor, são eles, mas
não só eles, os responsáveis, e
também os resultados, da consolidação de uma "tirania da beleza":
a valorização exagerada que a sociedade dá à beleza física de homens e mulheres.
Leia a seguir trechos da entrevista em que Ellis, que se descreve
como "o romancista que recebeu
as piores resenhas da América",
coloca no espelho beleza, celebridade e riqueza, o tripé essencial de
"Glamorama", comenta a celebridade do escritor mais recluso do
planeta, J.D. Salinger, e adianta o
tema de seu próximo livro: ele
mesmo, o gato e o rato.
Folha - "Glamorama" é um romance em que todos são ricos, famosos, bonitos ou todas as anteriores. Mas você parece mais sarcástico com a obsessão pela beleza do
que com a busca desenfreada por
riqueza ou celebridade. Por quê?
Bret Easton Ellis - Vivemos hoje
uma espécie de tirania da beleza.
Beleza vale dinheiro e fama. É padronizada e necessária. A beleza-padrão não é feita apenas pela indústria da moda. Não é um problema de roupas, de designers, de
fotógrafos ou modelos. É deles
sim, mas é também uma construção coletiva. O problema é que viramos uma sociedade que relaciona prestígio, status e importância com beleza e não com talento, com capacidade de educar,
de realizar tarefas construtivas. Isso muda muito o horizonte das
coisas. Pelo menos no Ocidente,
se você é um professor, você não é
valorizado. Se você é uma supermodelo, se tem sorte na sua genética, então você é considerado importante na sociedade. Você tem
dinheiro, os homens ou mulheres
que quiser, as portas todas abertas. Você tem liberdade.
Folha - Os bonitos de "Glamorama" não acabam muito contentes.
Você acredita que uma "tirania da
feiúra" traria mais felicidade?
Easton Ellis - Talvez não. Daria
no mesmo. Seria igualmente exclusiva. O que vou falar vai soar
muito fácil, mas acredito que só
haverá felicidade quando as pessoas forem o que elas são. E isso
não é fácil. Mesmo as pessoas que
acreditam estar mais imunes à tirania do belo sofrem com o "você
deve ser assim".
Folha - Até que ponto "Glamorama" reflete algo "de você como você é"? De que modo a fama trazida
pela repercussão que conseguiu
com "Psicopata...", seu romance
anterior, lhe ajudou a moldar o universo da celebridade que você descreve em "Glamorama"?
Easton Ellis - Na verdade, comecei "Glamorama" antes da publicação de "Psicopata Americano".
Depois que o livro saiu, virei de
certa forma uma celebridade, fui
impulsionado para a notoriedade. Quando isso aconteceu, eu tinha escrito umas 80 páginas de
"Glamorama". Minha celebridade influenciou o modo como decidi escrever o resto do livro. Não
em termos da história, mas sim
nas cores que usei. O livro já ia ser
um comentário sobre celebridades e sobre uma sociedade obcecada com beleza. Depois do sucesso, isso ficou mais cheio de detalhes.
Folha - E o que você acha da sua
celebridade?
Easton Ellis - Acredite, eu acho
ridícula e muito mais dolorosa do
que proveitosa. Mas penso que
sem ela "Glamorama" não teria
sentido. A crítica americana atacou justamente esse ponto. O fato
de ser um livro anticelebridades
feito por uma delas. A meu ver, só
poderia escrevê-lo alguém que
provou a celebridade.
Folha - O que você acha da atitude de um escritor como J.D. Salinger, que há 40 anos se isolou do
resto do mundo, não fala com a imprensa, não publica nada e não se
deixa fotografar?
Easton Ellis - É a maior celebridade do mundo, justamente porque fez o que fez. Essa é a grande
piada sobre Salinger. Ele é puro
showbusiness. Escrever um dos
maiores romances do século e depois se esconder é a receita ideal
para virar um imortal. Isso fez dele alguém mais famoso do que jamais seria. É o mesmo para astros
que morrem cedo. Se James Dean
tivesse vivido até os 65 anos, não
seria o que é. Quando algum jovem escritor diz que Salinger é o
ideal em termos de evitar a fama,
eu penso: bobagem. Salinger esteve na capa da revista "Time", esteve nas festas, conheceu o universo
da mídia nos anos 50 e provavelmente ficou cansado disso, mas
não imagino que ele fez o que fez
para ser esquecido.
Folha - Salinger nunca permitiu
que "O Apanhador no Campo de
Centeio" e seus outros livros virassem filmes. Você já vendeu para o
cinema tanto "Abaixo de Zero"
quanto "Psicopata Americano".
Existe algum projeto cinematográfico para "Glamorama"?
Easton Ellis - Há um filme em
produção, mas não estou muito
envolvido. Só espero, como um
romancista que já foi filmado, é
que seja algo ok, que não seja embaraçoso. "Abaixo de Zero", o
primeiro, foi embaraçoso. Do segundo, até gostei. Era bastante fiel
ao livro em termos de diálogos.
Folha - O filme de "Psicopata
Americano" foi mais elogiado que
o livro, não?
Easton Ellis - Sem dúvidas. Já disse e repito: sou o romancista que
recebeu as piores resenhas da
América. Juro que se há alguém
que leu todas elas fui eu. Minha
editora juntava todas. Eles nem
queriam passá-las para mim, de
tão ruins. Eu é que exigi. Nunca vi,
em muitos anos lendo resenhas e
biografias de escritor alguém tão
castigado pelos resenhistas como
eu. Recebi até ameaça de morte. A
reputação do livro mudou mais
tarde. De dez anos para cá a coisa
mudou. Muitos críticos ainda não
gostam de meu trabalho. Mas tenho muitos admiradores.
Folha - O que eles podem esperar
do próximo livro. Você já desconstruiu o universo dos yuppies, em
"Psicopata Americano", e depois o
mundo da moda, em "Glamorama". Qual será a próxima desconstrução?
Easton Ellis - De mim. Vou desconstruir a mim mesmo. Estou
começando um romance autobiográfico. Nunca escrevi sobre
coisas concretas de minha vida.
Folha - E qual será o título?
Easton Ellis - Já sei qual será, mas
não posso, por contrato, dizer para ninguém.
Folha - Quando ficará pronto?
Easton Ellis - Espero que antes de
eu completar 40 anos. Eu não
quero esperar oito anos fazendo
um romance, como em "Glamorama". Estou com 37 e me dou
mais dois ou três anos para terminar.
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