São Paulo, sábado, 12 de maio de 2001

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VÍDEO/LANÇAMENTO

Diretor e o ator Everaldo Pontes reservam respeito ao personagem no longa-metragem de 1999

"São Jerônimo" é o melhor de Júlio Bressane

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

A imagem é tectônica: volumes rochosos atravessando o deserto. Os atos de fala são aéreos: as palavras são como o vento, trespassando as rochas, ocas carapaças, como um sopro do espírito.
No vaivém entre as palavras e as imagens, Júlio Bressane, em "São Jerônimo", que acaba de ser lançado em vídeo, encontra não apenas o ritmo de seu filme, mas também uma forma (menos dissimulada) de preservar-lhe o mistério.
Em "Os Sermões", Júlio Bressane fazia do padre Antônio Vieira um personagem glauberiano. Visionário-utópico, místico-revolucionário, seu Vieira era um mito revirado, tornado subversivo e atual em nome da reinvenção do Brasil.
Em "São Jerônimo", ao contrário, Bressane não faz mais do que mitificar seu personagem, seja ressaltando demasiadamente sua importância histórica, seja filmando-o, reiteradamente, de baixo pra cima -até mesmo as habituais firulas antiilusionistas do cineasta ficam aqui restritas ao prólogo do filme.

Tendência personalista
Não há mais aqui aquela reversão (revolucionária) da crença religiosa, que os críticos de formação deleuziana costumam apontar na última fase de Glauber, e é curioso, nesse sentido, que o último plano de "São Jerônimo" seja exatamente o oposto do primeiro plano de "A Idade da Terra" -Glauber abria o seu filme com uma panorâmica na aurora, e Bressane fecha o seu com uma panorâmica, em sentido contrário, no crepúsculo.
Seguindo a tendência personalista de seus últimos filmes, Bressane elege Jerônimo, canonizando-o.
Ele realiza aqui uma espécie de "O Evangelho Segundo São Jerônimo" -mais do que o cenário, é a iconicidade dessas panorâmicas de rostos que nos remetem a Pasolini.

Fase pedagógica
De iconoclasta a iconista: Bressane nunca deixa de nos surpreender.
Tanto mais que a beleza de "São Jerônimo", seu melhor filme nos últimos tempos, vem justamente do respeito que tanto Bressane quanto Everaldo Pontes (o intérprete) reservam ao personagem-título.
Bressane, que anda agora se detendo sobre Nietzsche, talvez esteja experimentando nos últimos tempos, como Rossellini (que elegeu Sócrates, Pascal e santo Agostinho), uma fase pedagógica.


São Jerônimo
São Jerônimo
   
Direção: Júlio Bressane
Produção: Brasil, 1999
Com: Everaldo Pontes, Helena Ignez, Hamilton Vaz Pereira, Bia Nunes
Distribuidora: Europa Filmes




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