São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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Figura materna está em palcos da cidade

PEDRO IVO DUBRA
DA REDAÇÃO

"Ser mãe é padecer num paraíso", diz o gasto soneto de Coelho Neto declamado nos jardins de infância de antigamente. E, apesar de padecerem de igual maneira, duas das maiores matronas da história do teatro escolheram curtir as suas dores bem longe do Éden do escritor parnasiano.
"Mãe Coragem e Seus Filhos", de Bertolt Brecht, e "Casa de Boneca", de Henrik Ibsen, em cartaz na cidade hoje, Dia das Mães, espelham mulheres que mantêm relações singulares, turbulentas e contraditórias com suas proles.
Explicitada logo no título do texto brechtiano, a maternidade de Ana Fierling nutre-se da destruição da guerra. A anti-heroína cria seus filhos comerciando durante conflito que arrasou a Europa no século 17. Todos mortos por aquilo que os alimentou, Mãe Coragem segue com sua carroça, ainda que tropece na própria solidão. Maria Alice Vergueiro, que faz o papel, caiu em cena durante a estréia no Festival de Teatro de Curitiba e disse ter descoberto outra dimensão para a personagem.
Talvez o maternal seja somente uma das características de Nora Helmer, a bonequinha de luxo da "Casa de Boneca", de Ibsen, vivida por Ana Paula Arósio. Sufocada dentro da condição oprimida da mulher no século 19, ela abandona o marido, a casa e todas as suas obrigações para viver a liberdade. No rastro, ficam os filhos.
Curiosamente, há na cidade uma comédia que estabelece, quem sabe se por coincidência, alguma relação com o texto do dramaturgo norueguês. É "Socorro, Mamãe Foi Embora!", do autor de telenovelas Benedito Ruy Barbosa. No diminutivo, a matriarca renuncia ao lar para seguir carreira de atriz.
Insensíveis essas mães? Em certo sentido, sim. Mas nada supera a crueldade mítica de Medéia, do espetáculo homônimo que encerrou temporada na semana passada, de Eurípides. Para fazer o amante que a traiu sofrer, a feiticeira é capaz de aniquilar seu próprio sangue. A infanticida, na leitura de Antunes Filho, é Gaia, a mãe Terra, que se vinga dos maus tratos de seus filhos, nós.
Mães são capazes de tudo. Até de matar o marido que não traz dinheiro para comprar a comida das crianças, como é o caso de uma das internas do hospício feminino de "Hysteria", revelação da mostra Fringe do festival teatral curitibano. Ou de comer carne humana, com o filho, para sobreviver ao nonsense de "Os Solitários", de Nicky Silver.
Presente, das que estão em cartaz, recebeu, no entanto, somente a excêntrica miss Daisy. Com problemas para continuar guiando seu automóvel, a velha judia é obrigada, pelo filho, a aceitar a contratação de um chofer negro, Hoke Colburn, após bater seu carro no jardim do vizinho.
A peça, "Conduzindo Miss Daisy", ganhou o Prêmio Pullitzer e teve versão no cinema com Morgan Freeman e Jessica Tandy. Inicialmente arredia, Daisy inicia aos poucos uma relação de amizade e tolerância com o motorista. Tornam-se ótimas companhias.



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