São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 2006

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CRÍTICA/"A CONCEPÇÃO"

No novo longa do diretor, jovens queimam a carteira de identidade como símbolo de rebeldia

Belmonte traduz seu amor e ódio por Brasília

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

S ão muitos, e inegáveis, os méritos de "A Concepção". Antes de tudo, é preciso reconhecer nele uma tentativa para lá de válida de injetar ousadia num quadro geral marcado pela mesmice. O diretor José Eduardo Belmonte não teve medo de realizar um filme contraditório e oscilante, capaz de traduzir os sentimentos de amor e ódio que tem por Brasília. As imperfeições, portanto, são absorvidas como característica do filme, integrando sua pulsação.
Como em "Subterrâneos", seu primeiro longa-metragem, a capital federal é muito mais do que um mero cenário, é personagem. Brasília não surge como o projeto utópico do Brasil moderno nem como o cenário decrépito por onde circulam os mortos-vivos da corrupção ("Brasília 18%").
Trata-se de uma cidade viva, distante do ideal que a gerou, é verdade, mas que nem por isso se tornou um cemitério. Vista pelos olhos da juventude, Brasília é isso e mais; é um espaço de contradições e de perdições como raramente se vê nos filmes brasileiros.
Para falar dessa cidade, Belmonte inventou um grupo de jovens que, a partir do encontro com o misterioso X (Matheus Nachtergaele), cria o movimento "concepcionista". O gesto simbólico de rebeldia do grupo é queimar a carteira de identidade. Na prática, eles vivem uma vida comunitária, regada a sexo livre, drogas e cartões de crédito falsificados. Cada pessoa tem o direito e o dever de mudar de personalidade sempre, de trocar de máscara.
Em sua forma, "A Concepção" busca reproduzir esse "devir" com deslocamentos temporais, imagens de diferentes texturas e montagem pulsante, que imprimem um caráter fluido à narrativa. Busca-se uma forma que tenta expressar os reflexos de uma agonia comum do homem contemporâneo, principalmente dos jovens: a crise de identidade e de ação, ou seja, o que ser e como agir politicamente em uma sociedade globalizada, sem utopias.
As duas referências mais evidentes às quais Belmonte recorre são "Os Idiotas", de Lars von Trier, e o cinema de John Cassavetes, evocado em vários momentos. Mas é justamente nesse ponto que "A Concepção" encontra suas fraquezas. "Os Idiotas" vai muito mais fundo em seu conteúdo provocativo, que evoca exatamente os mesmos elementos do filme de Belmonte. O estilo de Cassavetes, por sua vez, é diluído num esforço de alcançar uma identificação do público jovem, que deixa o filme com um certo ar de MTV.
No fim das contas, como tantas produções brasileiras, "A Concepção" fica no meio do caminho. É como se houvesse um freio invisível que impedisse alguns de nossos maiores talentos de desabrocharem, e Belmonte, que demonstra um talento inegável, não chega nem perto da contundência que esses outros dois cineastas, cada um a seu modo, alcançaram.


A Concepção
  
Direção: José Eduardo Belmonte
Produção: Brasil, 2005
Com: Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz
Quando: a partir de hoje nos cines
Reserva Cultural, Bristol e circuito



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