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CRÍTICA/"A CONCEPÇÃO"
No novo longa do diretor, jovens queimam a carteira de identidade como símbolo de rebeldia
Belmonte traduz seu amor e ódio por Brasília
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
S ão muitos, e inegáveis, os méritos de "A Concepção". Antes de tudo, é preciso reconhecer
nele uma tentativa para lá de válida de injetar ousadia num quadro
geral marcado pela mesmice. O
diretor José Eduardo Belmonte
não teve medo de realizar um filme contraditório e oscilante, capaz de traduzir os sentimentos de
amor e ódio que tem por Brasília.
As imperfeições, portanto, são absorvidas como característica do
filme, integrando sua pulsação.
Como em "Subterrâneos", seu
primeiro longa-metragem, a capital federal é muito mais do que
um mero cenário, é personagem.
Brasília não surge como o projeto
utópico do Brasil moderno nem
como o cenário decrépito por onde circulam os mortos-vivos da
corrupção ("Brasília 18%").
Trata-se de uma cidade viva,
distante do ideal que a gerou, é
verdade, mas que nem por isso se
tornou um cemitério. Vista pelos
olhos da juventude, Brasília é isso
e mais; é um espaço de contradições e de perdições como raramente se vê nos filmes brasileiros.
Para falar dessa cidade, Belmonte inventou um grupo de jovens que, a partir do encontro
com o misterioso X (Matheus
Nachtergaele), cria o movimento
"concepcionista". O gesto simbólico de rebeldia do grupo é queimar a carteira de identidade. Na
prática, eles vivem uma vida comunitária, regada a sexo livre,
drogas e cartões de crédito falsificados. Cada pessoa tem o direito e
o dever de mudar de personalidade sempre, de trocar de máscara.
Em sua forma, "A Concepção"
busca reproduzir esse "devir"
com deslocamentos temporais,
imagens de diferentes texturas e
montagem pulsante, que imprimem um caráter fluido à narrativa. Busca-se uma forma que tenta
expressar os reflexos de uma agonia comum do homem contemporâneo, principalmente dos jovens: a crise de identidade e de
ação, ou seja, o que ser e como
agir politicamente em uma sociedade globalizada, sem utopias.
As duas referências mais evidentes às quais Belmonte recorre
são "Os Idiotas", de Lars von
Trier, e o cinema de John Cassavetes, evocado em vários momentos. Mas é justamente nesse ponto
que "A Concepção" encontra suas
fraquezas. "Os Idiotas" vai muito
mais fundo em seu conteúdo provocativo, que evoca exatamente
os mesmos elementos do filme de
Belmonte. O estilo de Cassavetes,
por sua vez, é diluído num esforço
de alcançar uma identificação do
público jovem, que deixa o filme
com um certo ar de MTV.
No fim das contas, como tantas
produções brasileiras, "A Concepção" fica no meio do caminho.
É como se houvesse um freio invisível que impedisse alguns de nossos maiores talentos de desabrocharem, e Belmonte, que demonstra um talento inegável, não
chega nem perto da contundência
que esses outros dois cineastas,
cada um a seu modo, alcançaram.
A Concepção
Direção: José Eduardo Belmonte
Produção: Brasil, 2005
Com: Matheus Nachtergaele, Milhem
Cortaz
Quando: a partir de hoje nos cines
Reserva Cultural, Bristol e circuito
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