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RAP NACIONAL
Colegas de cela no maior presídio da América Latina lançam CD produzido por expoentes do estilo no país
Do Carandiru, 509-E professa "Provérbios 13"
MARCELO VALLETTA
DA REDAÇÃO
"Aquela ali é a nossa cela. Ali é a
509-E", diz o rapper Dexter, 26, ao
apontar para uma janela do pavilhão 7 da Casa de Detenção de São
Paulo, o Carandiru, o maior presídio da América Latina.
O número do cárcere serviu de
nome para o grupo de rap que
Dexter formou com Afro-X, 26,
seu companheiro de cela. O primeiro CD da dupla, "Provérbios
13", está inaugurando o selo Só
Rap, da gravadora Atração.
Não é a primeira vez que um
grupo de rap se forma no Carandiru -em 98, o grupo Detentos
do Rap lançou o CD "Apologia ao
Crime". O diferencial do primeiro
trabalho do 509-E é o time de produtores que congrega.
Os responsáveis pela produção
das 12 faixas de "Provérbios 13"
fazem parte da nata do rap nacional: Mano Brown e Edi Rock, integrantes do maior grupo do gênero
no Brasil, os Racionais MCs; o veterano DJ Hum, que faz dupla
com o rapper Thaíde; e o carioca
MV Bill. Participou também Zé
Gonzalez, DJ do Planet Hemp,
que criou as bases das cinco músicas produzidas por Brown.
"É um time que nunca foi reunido antes", salienta Dexter, enquanto come um sanduíche no
coreto da Divinéia, uma espécie
de pátio de entrada para os pavilhões do Carandiru.
Os dois integrantes do 509-E,
oriundos da periferia de São Bernardo do Campo, na Grande São
Paulo, fizeram parte de grupos de
rap durante os anos 90. Foi quando conheceram os Racionais e outros artistas da periferia paulistana. Em meados da década, foram
presos por assalto e acabaram se
encontrando no presídio em 98.
"Quando formamos o 509-E, foi
um momento crucial para a nossa
recuperação", diz Dexter. "A gente não visa o dinheiro, mas a recuperação por meio do rap, revolucionário e educativo."
"E o nome do disco fala disso.
Os "Provérbios" de Salomão nos
dão conselhos, fortalecem nossa
recuperação", explica Afro-X.
"Mas a gente não se esconde
atrás da Bíblia não", afirma Dexter. "Aqui no Carandiru, tem gente que finge que é crente só pra
não ir pro pavilhão 5."
Confiança e desconfiança
Como não podia deixar de ser, o
mote do CD é a vida na cadeia. A
primeira faixa, "Confiança e Desconfiança", traz a representação
de um diálogo entre funcionários
do presídio, que se perguntam se
o projeto musical dos detentos
não seria um "esquema de fuga".
Outras faces do cotidiano do
Carandiru são enfocadas pelas
faixas do CD. Desde a chegada à
prisão, descrita na música "Triagem", em ritmo seco e pesado, até
o envio de uma carta a uma amiga, em "Saudades Mil", que evoca
a black music dos anos 70. Só não
há, ainda, uma música contando
o dia da libertação -os rappers
poderão ser soltos apenas a partir
do ano que vem.
Engatilhados para gravar
O disco de estréia do grupo foi
gravado em quatro dias, em três
estúdios diferentes. Eles saíam de
noite, com escolta de três guardas.
"A gente apresentou as letras
pros manos, eles trouxeram as bases e a gente passava um pano",
diz Dexter, explicando o processo
de ensaio do grupo.
"Gravamos três músicas em
poucas horas, das 20h às 6h", contou Edi Rock à Folha, em entrevista por telefone. "Como já tinha
esse ensaio, eles não vacilaram, já
chegaram engatilhados."
O grande número de produtores ajudou a dar variedade musical ao CD. "Foi essa a intenção, a
gente quis vários estilos diferentes", diz Afro-X. "A gente cresceu
ouvindo black: Jorge Ben, Tim
Maia, Hyldon, Cassiano, Gerson
"King" Combo", completa.
"A gente respeita o pessoal da
velha guarda, inclusive o Roberto
Carlos", diz Dexter. "Ele se espelhava em James Brown, Funkadelic, Isaac Hayes..."
Mas as influências da dupla não
são apenas musicais. "Para ser um
rapper, é preciso se informar, ter
uma base teórica", afirma Afro-X.
"Tem de saber quem foram Malcolm X, os Black Panthers, Rubin
"Hurricane" Carter, Nelson Mandela. Nosso povo não viveu só de
derrotas", diz, enquanto mostra
com orgulho a tatuagem com o
nome de guerra no braço direito.
Para o futuro, os rappers pretendem não apenas continuar
com a carreira musical, mas também dar o exemplo para os garotos da periferia. "É um sonho que
está se realizando", diz Afro-X,
sorrindo, enquanto autografa o
encarte do CD com as palavras
"Paz, saúde e vitória...".
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