São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Índice

Técnica existe há mais de século

ESPECIAL PARA A FOLHA

De acordo com tese da professora Cristiana Parente, da Universidade Federal do Ceará, a técnica do retrato pintado existe há mais de um século.
Iniciou-se com o retoque ou o restauro necessário às imagens. Em 1842, nos Estados Unidos, Richard Beard patenteou um método para a pintura em daguerreótipos. Os fotógrafos montavam o ateliê e contratavam artistas plásticos para pintar as fotografias.
Nessa época, utilizavam-se tons pastéis e sóbrios. A burguesia consumidora queria reproduzir a postura da nobreza do século 18.
No estúdio de Beard, trabalhou um cearense que trouxe a técnica para o Brasil, chegando a produzir fotografias para a Casa Imperial no país.
As cores mais agressivas começaram a ser utilizadas com o desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo, a burguesia abandonava essa técnica pela nova fotografia colorida que se desenvolvia. Os retratistas foram obrigados a se popularizarem, com trabalhos feitos para as populações da periferia e do interior.
O retrato pintado existe no mundo inteiro, mas é mais frequente no mundo católico, que cultua muito mais a imagem que os protestantes.
Hoje, é possível encontrar no Village, em Nova York, uma loja que presta esse tipo de serviço. Ou também no "NY Nex" (páginas amarelas da cidade), que traz anúncios de coloração manual.

Mestre Julio
Porém é no fundo do quintal de uma casa simples em Fortaleza que se encontra um dos mais habilidosos retratistas do mundo, o Mestre Julio.
Além da habilidade do retrato, da proporção correta e do conhecimento de técnica fotográfica, ele cria uma narrativa para o personagem. Segundo o fotógrafo José Albano, "o seu Julio aprendeu a ler a alma das pessoas".
Mestre Julio também realiza o sonho das pessoas, mesmo que seja apenas no retrato pintado. Coloca vestido de noiva e paletó em pessoas que nunca tiveram dinheiro para usar nada disso. Ou ainda rejuvenesce o personagem ou coloca brinco e colar de pérolas nas mulheres que só podem realizar sonhos por meio do traço do retratista.

Mão em cena
O traço de Julio dos Santos está presente no filme de Joe Pimentel. O diretor utiliza somente a mão do artista em cena, mas é o suficiente para o espectador compreender a ingênua beleza desses retratos e a importância documental na memória familiar das classes populares no Brasil.
Mestre Julio abandonou o convento em Garanhuns (PE) aos 12 anos e começou a trabalhar por necessidade há 44 anos, após a separação dos pais.
O pai cedeu um espaço para o amigo Antenor Medeiros montar um ateliê de pintura com laboratório fotográfico. Julio trabalhou com Medeiros até 1970, montando depois seu próprio ateliê.
Diferentemente de quando começou, ele não circula mais de casa em casa para conseguir trabalho. Esse trabalho agora é dos vendedores, que ficam com a maior parte do lucro. A maioria dos fregueses não sabe quem é o autor dos retratos.
Mesmo assim, fez trabalhos que o envaidecem, como o convite de casamento de Regina Casé. É dele também a galeria de retratos dos prefeitos de Fortaleza.
Ele guarda alguns segredos de sua técnica, mas basicamente são reproduções em 3 x 4, feitos em preto-e-branco e posteriormente colorizados. Utiliza pincéis, pedaços de algodão ou o próprio dedo para pintar com crayon, tinta látex e tinta a óleo com gasolina.
Questionado sobre a possibilidade de o mundo informatizado fazer seu trabalho desaparecer, ele responde: "O que o computador faz hoje, eu crio amanhã".


Texto Anterior: Cinema: Curta prolonga a arte de pintar fotografias
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.