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ANÁLISE
Autor era uma exceção na tradição do país
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Juan José Saer era uma exceção na tradição literária
argentina. As letras do país
vizinho sempre estiveram
impregnadas pelo nacionalismo, para o bem e para o
mal. De José Hernandez
("Martín Fierro") a Tomás
Eloy Martínez ("O Romance
de Perón"). De Sarmiento
("Facundo") a Ricardo Piglia ("Respiración Artificial"), a busca por uma "argentinidade" na forma de
narrar e na seleção de temas
é determinante. Assim como
uma necessidade, não raro
obsessiva, em compreender
"quem somos", "o que é a
Argentina", e, em casos mais
extremos, "como nos
vêem?" -tome-se como
exemplo o sucesso estrondoso do comercial "O Atroz
Encanto de Ser Argentinos"
(2002), de Marcos Aguinis.
Mesmo a obra internacional
de Borges pode ser compreendida como uma mutação tipicamente portenha
das vanguardas européias e
do realismo mágico.
Apesar de beber na mesma
fonte, Saer destoava desse
quadro. Talvez por ter nascido longe da capital, na Província de Santa Fé, e se auto-exilado nos anos 60 na França, seu modo de compreender a literatura era profundamente universal. Assim
como, ao fazê-la, refletia um
atordoamento constante
com a condição humana, como se pode notar em "Nadie
Nada Nunca" ou "Unidad de
Lugar". Já seu texto fundamentava-se na fluidez de
uma narrativa poética, marcado por frases longas e quase musicais.
Em um de seus trabalhos
mais interessantes, "O Enteado", Saer investigava as
raízes da identidade americana. Aficionado pelos clássicos, também foi um crítico
da literatura atual. Em ensaios, comentava os efeitos
da cultura de massas e da indústria do livro na produção
do romance contemporâneo, que, na sua opinião, resultava de um lento processo
de fragmentação iniciado no
passado, a partir das epopéias.
Do ponto de vista político,
se dizia um socialista, ou um
"alfonsinista de esquerda".
Ainda assim, promovia tanto a crítica à esquerda tradicional como ao oportunismo no uso da imagem de Perón pelos políticos atuais.
Preocupava-o, mais que as
conseqüências políticas das
constantes crises argentinas,
seus efeitos no imaginário
da sociedade. Ao comentar,
por exemplo, em entrevista à
Folha, a efervescência que o
cinema argentino passou a
viver após o "estallido"
(queda do governo De la
Rúa, em dezembro de 2001),
Saer utilizou a imagem de
um funeral. "Essa efervescência cultural se parece
com o mito de que a potência sexual e a libido costumam se acentuar em velórios, porque, quando desaparece um membro de uma
espécie, é preciso refazer outro imediatamente. É o reflexo da falência do país", disse,
num comentário que destoava da euforia com que a
tal "buena onda" nacional
era celebrada.
Saer era, ao lado de Ricardo Piglia, o mais importante
escritor argentino contemporâneo. Com sua morte, a
Argentina perde um autor
que, sem se desfazer da tradição literária nacional, a
olhava de fora e a desafiava.
O mesmo olhar crítico que
lançava também ao passado
político de seu país e fazia
cobranças à sociedade atual.
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