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CEARÁ
Cinebiografia do poeta português marca virada do diretor
Djalma Batista encerra festival com 'Bocage, o Triunfo do Amor'
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
Com "Bocage, o Triunfo do
Amor", que encerra hoje o Festival
do Ceará, o cineasta Djalma Limongi Batista, 46, dá uma virada
radical em seu trabalho.
Se seus longas-metragens anteriores -"Asa Branca, um Sonho
Brasileiro" (1981) e "Brasa Adormecida" (1985)- refletiam, segundo ele próprio, uma preocupação em atingir o grande público,
"Bocage" é uma obra radicalmente pessoal e apaixonada.
Inspirado na vida e na poesia do
poeta português Manuel Maria de
Barbosa du Bocage (1765-1805), o
filme foi rodado no Ceará, Amazonas, Rio Grande do Norte, Paraná,
Paraíba e Portugal.
A deserção de Vera Fischer, escalada para fazer o papel de Dante
(trocado na versão final pelo da
musa Érato, interpretada por Ana
Maria Nascimento e Silva), foi
uma das muitas atribulações da
produção, que ficou parada entre
meados de 1995 e julho de 96.
O filme, que custou R$ 1,2 milhão, tem no papel principal Victor Wagner (galã de "Tocaia
Grande" e "Xica da Silva"), estreante em cinema. Antes de levar
seu filme a Fortaleza, Batista concedeu esta entrevista à Folha.
Folha - O que há da vida real de
Bocage no filme?
Djalma Batista - Pouca coisa: a
viagem dele, expatriado, para o
Brasil, África, Goa e Macau, a volta
a Portugal. Há o Josino, que era o
nome de árcade de um poeta português, ao qual Bocage dedicou
poemas derramados e libidinosos.
Isso me levou a extrapolar e inventar um caso entre eles.
Mas, em geral, fugi do biográfico. Me baseei só na poesia e na lenda de obscenidade associada ao
Bocage. É uma viagem poética, interior, uma homenagem à obra
dele, que é um laboratório permanente de poesia. Por extensão, é
uma homenagem à língua portuguesa e toda a cultura lusófona.
Folha - Qual foi o critério para a
escolha dos poemas?
Batista - Basicamente, o critério de beleza. Vejo na obra de Bocage a paixão pela beleza que caracteriza a lusofonia. Usei principalmente dois longos poemas eróticos, "A Manteigui" e "Cartas de
Olinda e Alzira", mas o que eu
mais adoro são os sonetos de
amor, que marcam o momento
em que ele deixa de ser árcade para
se tornar romântico.
Deixei de lado, propositalmente,
os poemas de arrependimento
cristão, que nunca me pareceram
muito sinceros. Usei, em vez disso,
a imagem da procissão, em que ele
carrega o andor da Virgem, e o
poema à divindade.
Folha - O roteiro de "Bocage" já
estava pronto em 1990. O aspecto
teatral do filme já estava presente
desde o começo?
Batista - Sim, mas a proposta
era bem diferente. Era um filme
para ser feito rapidamente, num
único teatro. Seria mais uma farsa.
Depois o projeto foi me conduzindo, o filme cresceu muito.
Aproveitamos o período em que
o projeto ficou parado para limpar
o que fosse óbvio. Ficou muito de
teatro. O Linneu Dias (ator) diz
que o filme tem truques de teatro
que só podem ser feitos no cinema.
Folha - "Bocage" é totalmente
alegórico. Tudo tem um sentido
pensado ou há coisas que você incluiu por intuição?
Batista - Em geral, é tudo bem
pensado. Nada é gratuito. O Bruno
Schmidt (diretor de arte) define o
filme como "neomanuelino" -o
estilo manuelino apresenta figuras
alegóricas bem amarradas.
Por exemplo, o filme abre e fecha
com a imagem da janela do convento de Tomar, em Portugal, que
é considerado o início do estilo
manuelino e que simboliza a cultura lusófona e a expansão ultramarina. Os deslocamentos das
massas humanas têm também um
impulso sexual, afetivo, e não apenas econômico. Acho que o impulso primeiro do cinema também é sexual. Por isso ele era de
circo, de feira, e se realizava num
clima de forte sexualidade.
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