São Paulo, quinta, 12 de junho de 1997.



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CEARÁ
Cinebiografia do poeta português marca virada do diretor
Djalma Batista encerra festival com 'Bocage, o Triunfo do Amor'

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

Com "Bocage, o Triunfo do Amor", que encerra hoje o Festival do Ceará, o cineasta Djalma Limongi Batista, 46, dá uma virada radical em seu trabalho.
Se seus longas-metragens anteriores -"Asa Branca, um Sonho Brasileiro" (1981) e "Brasa Adormecida" (1985)- refletiam, segundo ele próprio, uma preocupação em atingir o grande público, "Bocage" é uma obra radicalmente pessoal e apaixonada.
Inspirado na vida e na poesia do poeta português Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805), o filme foi rodado no Ceará, Amazonas, Rio Grande do Norte, Paraná, Paraíba e Portugal.
A deserção de Vera Fischer, escalada para fazer o papel de Dante (trocado na versão final pelo da musa Érato, interpretada por Ana Maria Nascimento e Silva), foi uma das muitas atribulações da produção, que ficou parada entre meados de 1995 e julho de 96.
O filme, que custou R$ 1,2 milhão, tem no papel principal Victor Wagner (galã de "Tocaia Grande" e "Xica da Silva"), estreante em cinema. Antes de levar seu filme a Fortaleza, Batista concedeu esta entrevista à Folha.

Folha - O que há da vida real de Bocage no filme?
Djalma Batista -
Pouca coisa: a viagem dele, expatriado, para o Brasil, África, Goa e Macau, a volta a Portugal. Há o Josino, que era o nome de árcade de um poeta português, ao qual Bocage dedicou poemas derramados e libidinosos. Isso me levou a extrapolar e inventar um caso entre eles.
Mas, em geral, fugi do biográfico. Me baseei só na poesia e na lenda de obscenidade associada ao Bocage. É uma viagem poética, interior, uma homenagem à obra dele, que é um laboratório permanente de poesia. Por extensão, é uma homenagem à língua portuguesa e toda a cultura lusófona.
Folha - Qual foi o critério para a escolha dos poemas?
Batista -
Basicamente, o critério de beleza. Vejo na obra de Bocage a paixão pela beleza que caracteriza a lusofonia. Usei principalmente dois longos poemas eróticos, "A Manteigui" e "Cartas de Olinda e Alzira", mas o que eu mais adoro são os sonetos de amor, que marcam o momento em que ele deixa de ser árcade para se tornar romântico.
Deixei de lado, propositalmente, os poemas de arrependimento cristão, que nunca me pareceram muito sinceros. Usei, em vez disso, a imagem da procissão, em que ele carrega o andor da Virgem, e o poema à divindade.
Folha - O roteiro de "Bocage" já estava pronto em 1990. O aspecto teatral do filme já estava presente desde o começo?
Batista -
Sim, mas a proposta era bem diferente. Era um filme para ser feito rapidamente, num único teatro. Seria mais uma farsa. Depois o projeto foi me conduzindo, o filme cresceu muito.
Aproveitamos o período em que o projeto ficou parado para limpar o que fosse óbvio. Ficou muito de teatro. O Linneu Dias (ator) diz que o filme tem truques de teatro que só podem ser feitos no cinema.
Folha - "Bocage" é totalmente alegórico. Tudo tem um sentido pensado ou há coisas que você incluiu por intuição?
Batista -
Em geral, é tudo bem pensado. Nada é gratuito. O Bruno Schmidt (diretor de arte) define o filme como "neomanuelino" -o estilo manuelino apresenta figuras alegóricas bem amarradas.
Por exemplo, o filme abre e fecha com a imagem da janela do convento de Tomar, em Portugal, que é considerado o início do estilo manuelino e que simboliza a cultura lusófona e a expansão ultramarina. Os deslocamentos das massas humanas têm também um impulso sexual, afetivo, e não apenas econômico. Acho que o impulso primeiro do cinema também é sexual. Por isso ele era de circo, de feira, e se realizava num clima de forte sexualidade.



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