São Paulo, sexta, 12 de junho de 1998

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FOTOGRAFIA
Edinger redescobre a visão da insanidade

ANA MARIA GUARIGLIA
free-lance para a Folha

Depois de quase dez anos engavetado, o fotógrafo Claudio Edinger lançou o livro "Loucura", com uma sequência de registros que mostra os doentes mentais do Juqueri, em Franco da Rocha (SP).
Edinger passou uma semana hospedado no Juqueri e mais oito circulando entre os pacientes.
Em 1990, suas fotos fizeram sucesso na extinta galeria Fotoptica e, em 1992, foram revelação do Festival de Perpignan, França, com prêmio de US$ 10 mil.
Edinger disse que a loucura é um mal que chega ao século 21 sem solução. "Ninguém sabe o que fazer com os loucos, a não ser drogá-los, o que não lhes devolve a consciência, mas os mantém calmos." Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista.

Folha - Quais os motivos que o levaram a fotografar no Juqueri?
Claudio Edinger -
É um assunto que sempre esteve em pauta comigo, consciente ou inconscientemente. O primeiro trabalho fotográfico que fiz foi sobre o edifício Martinelli, um prédio esquizofrênico, em São Paulo, em 1975.
Na época, era suntuoso, um dos primeiros prédios de luxo construídos na cidade. Por dentro, era um cortiço incrível, onde o elevador só funcionava em cinco dos 30 andares. Se alguém morasse no 17º, tinha que pegar o elevador até o 20º e descia três andares a pé.
Depois morei dois anos com os judeus ortodoxos no Brooklyn, em Nova York, para fotografá-los. Loucura?
Certos dias eles não podem andar de carro, de elevador, não podem acender o fogão ou destacar o papel higiênico. Não têm TV, usam roupas esquisitas, homem dança com homem, mulher com mulher, imagine só.
Depois fui ao Chelsea Hotel, um reduto pirado do underground americano.
Daí, fui ao Venice Beach, uma espécie de hotel Chelsea horizontal californiano.
Com minha avó querida de cama, incapaz de me reconhecer, o choque de seu estado acabou me levando ao estudo fotográfico do lado extremo da loucura. A partir disso, fotografar o Juqueri foi um passo inevitável.
Folha - O sr. entendeu a loucura?
Edinger -
Hoje, talvez eu entenda um pouquinho mais. A loucura é um assunto supercomplexo. Vejo no doente mental um espelho. E é duro conseguir se enxergar em um espelho, admitir que aquilo que vemos somos nós.
Folha- Suas fotos têm uma aura de paz e calma. O Juqueri se apresenta dessa forma?
Edinger -
A calma é ilusória. Nas fotos, a tensão é uma corrente subterrânea por trás da aparente calma. O que funciona nelas é esse equilíbrio momentâneo entre a calma e a tensão. Está no olhar, nos gestos, na linguagem do corpo. Se acabar o efeito das drogas que acalmam, já viu...
Folha - O livro pode ser considerado um alerta para a sociedade?
Edinger -
A perenidade de um livro é muito sedutora. Se ele não servir para nada agora, em cem ou 200 anos talvez sirva. Ou não.
Se esse livro em particular é uma contribuição à sociedade, não sei. Espero que sim. Até pelo fato de que muitas pessoas não conseguem olhar para as fotos. Gostaria de pensar que não é um alerta, mas um lembrete. "Olha, estamos aqui, não esqueçam da gente, podia ser qualquer um de vocês."

Livro: Loucura Lançamento: DBA Onde encontrar: Livraria Spiro (alameda Lorena, 1.979, tel. 011/853-8855, Jardins) Quanto: R$ 35 (72 págs) Patrocinador: Interpa Social Cheque


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