São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA
Rita Lee embaralha passado, presente, futuro

Bob Wolfenson/Divulgação
Rita Lee, 52, que lança CD com parcerias com Tom Zé, Itamar Assumpção, Pato Fu e Zélia Duncan



Aos 52, cantora mistura rock e tecno, regrava Mutantes e compõe com Tom Zé e Pato Fu em "3001"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Nos braços de 2.000 anos/ Eu nasci sem ter idade", proclamava, em 1969, um rock caipira anarquizado pelos Mutantes. Esse parece ser o tema, e o lema, da ex-mutante Rita Lee, 52, em seu novo álbum, chamado "3001". Aqueles versos participavam de "2001", composta por Rita em parceria com Tom Zé, e tal parceria é retomada na faixa-título de "3001".
Esta, primeira música do CD, faz tabelinha com a regravação de "2001" (é Rita de novo aceitando a importância histórica e estética dos Mutantes?). Juntas, as duas faixas compõem seção tecno/eletrônica, que vai suscitar essa discussão já xexelenta de tão datada, em que acusações recíprocas de "roqueiros" e "modernos" fazem transpirar preconceitos seculares.
Bem, se soar estranha a "eletronização" de Rita, talvez se possa evocar o maestro tropicalista Rogério Duprat, que, em entrevista à revista "Showbizz", lembrou que, em 1900, Stockhausen era eletrônico e ninguém dava pelota. Modernos versus datados? Pois sim.
Voltando a Rita, talvez ela mesma tenha se esquecido de Duprat na dobradinha futurista/saudosista "3001"/"2001". É que, apesar de vivaz, parece sisuda demais a retomada de bate-bola de dois tropicalistas da fuzarca.
Esse fio Rita ainda está por recuperar. A releitura de "2001" é inteiriça, sábia em não repetir as gracinhas caipiras dos Mutantes (hoje soariam como Mamonas), mas causa um eco, um descompasso entre a graça e a sisudez.
E é assim que vai o disco. Para quem pense que ela aderiu ao tecno, manda logo em seguida "Você Vem", rockão à "Jardins da Babilônia" (78). Entre o tecno e o rock, ela quer os dois, indecisa, teimosa, nascida sem ter idade.
Na sequência, descortina o conhecido lado pop, Rita & Roberto de Carvalho (ainda aqui seu músico, produtor e marido), na releitura da jovem-guardista "Erva Venenosa" (você pode saber só do Herva Doce, mas a versão foi muito antes dos Golden Boys). Tolinha, é uma delícia.
A alternância se dará então entre rocks às vezes redundantes (saudades dos LPs de só oito músicas de Rita e Roberto...), pop chanchadesco ("Pagu", parceria e dueto com Zélia Duncan) e alguma bossa nova ("Cobra").
Em "Aviso aos Meliantes", Itamar Assumpção é pela primeira vez traduzido em rock pesado, que ilustra frases ferozes como "vou fuzilar bem-dotados, viúva, cego e doentes/ jogar no mar viciados, poetas e diferentes/ deportar deputados, reenforcar Tiradentes/ detonar o Corcovado, tornar o inferno mais quente". Uau.
A veia feminista ("Rebeldade", "Pagu", "Entre sem Bater") oscila entre trocadilhos mancos e belos achados, entre a lembrança de jovens eternas (Luz del Fuego, Elvira Pagã) e o esquecimento de envelhecidas sofridas (Hilda Hilst?). Após tiroteio de homenagens invertidas a musas-canções (de Lindonéia a Carolina, de Amélia a Kátia Flávia), ela conclui: "Entre/ entre sem bater/ entre, entre sem bater em mim". Uau.
A voz, briguenta entre extremos de Nara Leão e Cássia Eller, também oscila, entre solta, por estar liberta dos vocais dobrados, e áspera/impostada, por ser ainda hoje insegura. No todo, Rita parece querer todas as coisas, e por isso mesmo se atropela dali e daqui, ainda que o retorno do teste e do risco só tragam lucros.
É o que se dá no mimo maior de "3001", "Amor aos Pedaços" (de e com John e Fernanda, do Pato Fu). Por ali escorrem, juntos, baixo à Tutti Frutti e tchururus à Rita & Roberto, referências ao Lou Reed mais maduro e ao RPM mais imaturo, tropicalismo e pop eletrônico, chanchada da Atlântida e discurso amoroso não banal. Vida, enfim.


3001     Artista: Rita Lee Lançamento: Universal Quanto: R$ 20, em média



Texto Anterior: "Scary Movie" faz US$ 42 milhões na estréia
Próximo Texto: Alguns discos
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.