São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2006

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MANUEL DA COSTA PINTO

Denúncia, redenção e vingança

A revolução tecnológica criou canais de expressão "caseiros", e, com isso, escritores passam ao largo do crivo dos editores

HÁ DUAS semanas, a Revista da Folha publicou reportagem de Joca Reiners Terron sobre os saraus promovidos na periferia de SP por escritores que vivem à margem editorial, bancando as tiragens dos próprios livros.
A certa altura, Terron escreve: "Mas quem garante que esses autores são bons escritores, se não há mais mestres dando sopa por aí?
(...) Com a deserção da crítica (que prefere colocar sob suspeição tudo o que cheire a contemporâneo), o papel do mestre recaiu sobre o editor. Ou seja, quem decide o que presta ou não é o mercado".
Há algumas distorções aí. A produção contemporânea tem seu espaço, como se pode ver nas matérias sobre a "Geração 90" (na qual se inclui Terron) ou nas resenhas sobre estreantes publicadas regularmente neste jornal. Além disso, a tarefa da crítica nunca foi indicar novos autores para as editoras, mas avaliar o que estas lançam.
A novidade, portanto, não está na "deserção da crítica", e sim numa explosão editorial da qual a Cooperativa Cultural da Periferia é mais um exemplo. A revolução tecnológica da última década criou canais de expressão "caseiros", que incluem desde pequenas editoras e revistas até a epidemia dos blogs.
Com isso, escritores podem passar ao largo do crivo dos editores -para o bem e para o mal. Em poesia, o fenômeno é mais evidente: num livro como "O Rastilho da Pólvora: Antologia Poética do Sarau da Cooperifa", predominam versos de teor confessional e rimas elementares, alheios às complexidades da tradição poética com a qual todo poeta será contrastado. Não por acaso, os melhores poemas adotam a fórmula do rap, que introduziu na lírica um conteúdo narrativo, vazando denúncia social em cadência hipnótica.
E é esse enraizamento numa barbárie naturalizada que faz da ficção em prosa a grande contribuição desses "outsiders". Em "Suburbano Convicto", de Alessandro Buzo, a biografia de um jovem desempregado que se envolve com drogas e encontra redenção na literatura oscila entre o registro jornalístico e a parábola moral. Na contramão da narrativa edificante, "Graduado em Marginalidade", de Ademiro Alves (o Sacolinha), é um romance de alta voltagem, no qual o protagonista perde sucessivamente pai, mãe e amigos para o crime e a corrupção policial.
Ele se recusa a sucumbir ao rancor até o momento no qual uma passagem pela prisão desencadeia uma ira que põe fogo nessa trama intercalada por cenas laterais, que irrompem como flashes de um mundo conflagrado. A virada brusca da resignação para a volúpia vingativa é feita com grande domínio narrativo e necessitaria só de um polimento editorial de que nenhum escritor pode prescindir.


O RASTILHO DA PÓLVORA   
Autor: vários
Editora: Cooperifa
Quanto: R$ 15 (104 págs.)

GRADUADO EM MARGINALIDADE    
Autor: Ademiro Alves
Editora: Scortecci
Quanto: R$ 25 (168 págs.)


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