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MANUEL DA COSTA PINTO
Denúncia, redenção e vingança
A revolução tecnológica criou canais de expressão "caseiros", e, com isso, escritores passam ao largo do crivo dos editores
HÁ DUAS semanas, a Revista
da Folha publicou reportagem de Joca Reiners Terron sobre os saraus promovidos na
periferia de SP por escritores que
vivem à margem editorial, bancando as tiragens dos próprios livros.
A certa altura, Terron escreve:
"Mas quem garante que esses autores são bons escritores, se não há
mais mestres dando sopa por aí?
(...) Com a deserção da crítica (que
prefere colocar sob suspeição tudo
o que cheire a contemporâneo), o
papel do mestre recaiu sobre o editor. Ou seja, quem decide o que
presta ou não é o mercado".
Há algumas distorções aí. A produção contemporânea tem seu espaço, como se pode ver nas matérias sobre a "Geração 90" (na qual
se inclui Terron) ou nas resenhas
sobre estreantes publicadas regularmente neste jornal. Além disso,
a tarefa da crítica nunca foi indicar
novos autores para as editoras,
mas avaliar o que estas lançam.
A novidade, portanto, não está
na "deserção da crítica", e sim numa explosão editorial da qual a
Cooperativa Cultural da Periferia é
mais um exemplo. A revolução tecnológica da última década criou canais de expressão "caseiros", que
incluem desde pequenas editoras e
revistas até a epidemia dos blogs.
Com isso, escritores podem passar
ao largo do crivo dos editores -para o bem e para o mal.
Em poesia, o fenômeno é mais
evidente: num livro como "O Rastilho da Pólvora: Antologia Poética
do Sarau da Cooperifa", predominam versos de teor confessional e
rimas elementares, alheios às complexidades da tradição poética com
a qual todo poeta será contrastado.
Não por acaso, os melhores poemas adotam a fórmula do rap, que
introduziu na lírica um conteúdo
narrativo, vazando denúncia social
em cadência hipnótica.
E é esse enraizamento numa
barbárie naturalizada que faz da
ficção em prosa a grande contribuição desses "outsiders". Em "Suburbano Convicto", de Alessandro
Buzo, a biografia de um jovem desempregado que se envolve com
drogas e encontra redenção na literatura oscila entre o registro jornalístico e a parábola moral. Na contramão da narrativa edificante,
"Graduado em Marginalidade", de
Ademiro Alves (o Sacolinha), é um
romance de alta voltagem, no qual
o protagonista perde sucessivamente pai, mãe e amigos para o crime e a corrupção policial.
Ele se recusa a sucumbir ao rancor até o momento no qual uma
passagem pela prisão desencadeia
uma ira que põe fogo nessa trama
intercalada por cenas laterais, que
irrompem como flashes de um
mundo conflagrado. A virada brusca da resignação para a volúpia vingativa é feita com grande domínio
narrativo e necessitaria só de um
polimento editorial de que nenhum escritor pode prescindir.
O RASTILHO DA PÓLVORA
Autor: vários
Editora: Cooperifa
Quanto: R$ 15 (104 págs.)
GRADUADO EM MARGINALIDADE
Autor: Ademiro Alves
Editora: Scortecci
Quanto: R$ 25 (168 págs.)
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