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CONCERTO - CRÍTICA
Arnaldo Cohen desfralda Chopin
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Chopin é o mais popular, mais
acessível, mais diretamente emotivo dos compositores românticos. Chopin é o mais refinado,
mais recôndito, mais idiossincrático dos compositores românticos. Na visão da musicologia
atual, nenhuma das frases está errada; e a dificuldade para qualquer pianista é mostrar que também não são incompatíveis. Acessível e recôndito, expansivo e concentrado, o Chopin de Arnaldo
Cohen é um modelo desse gênio
ambíguo, como ficou claro em
seu lindo concerto, no teatro da
Hebraica, segunda-feira.
As ambivalências de Chopin
(1810-49) não se restringem ao
domínio da expressão. A própria
estrutura da música se nutre de
fontes diversas, combinadas de
modo original. Contraponto barroco e ópera lírica italiana podem
se mesclar com lembranças da
música popular polonesa e da sofisticação dos salões parisienses.
No caso das Baladas, interpretadas por Cohen, são essas quatro
influências que vêm se unir num
gênero novo.
Narrativa e lírica parecem ser o
contrário uma da outra, mas não
aqui.
Cada Balada conta uma história, mas na qual nada acontece,
apesar da expressão elegíaca.
Nem forma-sonata, nem simples
alternância de verso e refrão, a Balada, para Chopin, é um meio para a exploração de melodias repetitivas, encantatórias, que aparecem e reaparecem no fluxo contínuo da música.
Arnaldo Cohen, nunca menos
do que um pianista generoso e
nunca menos do que muito claro,
revelou-se um grande artista das
transições, que são sempre as passagens menos generosas e mais
artificiosas da composição.
Tocou as Baladas com um sentido pessoal da forma: muito elástica, a música cedendo ao empuxo
das modulações e dos temas. Que
isso não se traduza jamais em
mascaramento das notas, nem
nos arpejos mais virtuosísticos. É
uma dessas virtudes que a gente
tende a aceitar como natural
-natural para ele.
Esse foi o Chopin mais moderno do programa. Na segunda parte, ainda se ouviriam mais dois. O
primeiro foi o Chopin-que-todo-mundo-gosta, uma seleção incluindo o Noturno op. 9/2, a Fantasia-Improviso e três estudos.
Não parece ser o Chopin que o
pianista mais gosta: foi bonito,
mas não memorável e não chegou
a iluminar essas peças tão conhecidas com alguma luz desconhecida.
A grande surpresa estava reservada para o último Chopin, dos
Scherzi nº 1 e nº 2. A mistura de
gêneros, que já se escutava nas
Baladas, atinge aqui um idioma
ao mesmo tempo mais íntimo e
mais público.
A música de Chopin é, aliás,
uma das primeiras a ser concebida como espetáculo, pensada para uma platéia, embora nem sempre para o grande piano das grandes salas de concerto. (Certamente, não para esse piano, tão prejudicado pela acústica dura do teatro -e pelos arranjos de flores!)
Reconhecido internacionalmente como um grande intérprete de Liszt, Arnaldo Cohen teve a
coragem de fazer dos Scherzi uma
música mais lisztiana, o que hoje
soa, mais uma vez, como audácia.
Diabolismo, intemperança, gestualidade: não é o que se associa
imediatamente, agora, à música
de Chopin. Mas faz sentido e é, no
mínimo, tão legítimo quanto tocar Liszt à maneira de Chopin, como tem sido o caso nos últimos
anos.
As ironias de Chopin têm muito
a ganhar com isso. Nenhum compositor quer permanecer preso à
própria consciência; mas liberação ou transcendência são aspirações que só se realizam em alguns
instantes e de certos modos. Um
dos modos, para Chopin, é Liszt,
como agora se sabe, novamente,
graças a Arnaldo Cohen.
Para ser perfeito, faltaria só uma
transcendência última do próprio
pianista, cuja generosidade e clareza, às vezes, soam também como impedimento. Mas quem pode reclamar de um concerto tão
bonito? Acessível e refinado, virtuosístico sem afetação, Arnaldo
Cohen é sempre um prazer de ouvir -e uma educação.
E-mail: nestro@uol.com.br
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