São Paulo, Quinta-feira, 12 de Agosto de 1999
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GRAMADO 99
"À Sombra dos Abutres", primeiro longa de Leonel Vieira, trata drama político com sobriedade
Portugal surpreende com suspense


JOSÉ GERALDO COUTO
enviado especial a Gramado

O longa-metragem português "À Sombra dos Abutres", de Leonel Vieira, exibido anteontem à noite no 27º Festival de Gramado, surpreendeu positivamente a crítica e o público, ao transformar um drama político numa eficaz e angustiante narrativa de suspense.
O filme, ambientado em Trás-os-Montes em 1962, conta a história de um mineiro de carvão comunista, Daniel (Vítor Norte), que tenta cruzar a fronteira com a Espanha acompanhado do cunhado e do filho adolescente, ferido a bala por um policial.
No encalço dos três está o mais sanguinário e frio investigador da Pide, a polícia política da ditadura salazarista.
Narrado com extrema economia de meios e uma segura direção de atores, "À Sombra dos Abutres" serve-se da linguagem do filme policial norte-americano sem no entanto se submeter aos seus clichês (com exceção de um ou outro deslize) e ao seu ritmo descerebrado.
Nada é excessivo no filme: nem os diálogos, nem os tiros, nem a música. A própria política é tratada de modo sóbrio, sem panfletarismos. Só há uma cena em que o diretor parece ter perdido a mão e a contenção: uma cavalgada solitária do protagonista, ferido pela notícia da morte do filho.
É o primeiro longa-metragem de Leonel Vieira, 30, que veio a Gramado para apresentá-lo, mas já voltou a Portugal, onde prepara seu novo filme.

Comédia boliviana
O outro longa-metragem exibido anteontem em competição, a comédia boliviana "El Día que Murió el Silencio", de Paolo Agazzi, arrancou gargalhadas e suspiros, estes últimos da platéia masculina, encantada com a beleza da jovem atriz María Laura García, presente no evento.
O filme é uma comédia de costumes ambientada num povoado perdido no interior da Bolívia, que tem a vida transformada quando chega um forasteiro (Dario Grandinetti) e instala no local uma rádio.
Pelo microfone da rádio, aberto a mensagens da população mediante módicos pagamentos, vem à tona tudo o que estava oculto pela hipocrisia provinciana: amores, traições, ressentimentos.
A essa trama coletiva contrapõe-se a história tragicômica de um triângulo amoroso cujo vértice feminino é uma garota (María Laura García) mantida prisioneira pelo pai atrás dos altos muros de sua casa.
Os dois homens que se apaixonam por ela são o radialista e um jovem camponês, os únicos que, casualmente, tiveram a (in)felicidade de vê-la por cima do muro.
Como numa boa história de Jorge Amado, lirismo e picardia andam juntos nessa simpática crônica de uma província em confronto com a modernidade urbana.
A narrativa se perde um pouco no final. Como se não soubesse qual o desfecho mais adequado para sua história, o diretor Agazzi parece terminar o filme de três maneiras diferentes, nenhuma delas satisfatória.
Mas o longa boliviano é candidato forte a pelo menos um Kikito, o de melhor ator, para o argentino Dario Grandinetti, perfeito em sua caracterização do malandro urbano.
Na sessão Premiére Gramado de anteontem foi exibido o longa "Tango", de Carlos Saura, co-produção argentino-espanhola que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro.
Quem viu "Carmen" pode imaginar como é o filme: é só trocar o flamenco pelo tango, e Madri por Buenos Aires.


O jornalista José Geraldo Couto viaja a convite da organização do Festival de Gramado do Cinema Latino e Brasileiro

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