São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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Latinos (pero no mucho)

Exposição em Madri quer revelar estética universal da América Latina

CASSIANO ELEK MACHADO
EM MADRI

Um fantasma ronda a Península Ibérica. Essa alma penada se chama arte latino-americana e ela deve vagar esta noite pelo amplo saguão de um prédio bem no miolo da Espanha. É em torno dessa assombração que se reúnem os 39 artistas que participam da exposição "O Final do Eclipse", que começa hoje, em Madri.
Eles seguem o convite de um professor de filosofia espanhol que não acredita em fantasmas. Pelo menos não neste.
"A arte latino-americana não existe", diz José Jiménez, 51, curador da mostra. "É um termo criado por questões claramente ideológicas e mercadológicas. Uma denominação européia e norte-americana que classifica de modo uniforme tradições culturais muito diferentes."
Para exorcizar esse rótulo, que coloca sob o mesmo lençol artes com raízes diferentes como o muralismo político mexicano e o modernismo antropofágico brasileiro, Jiménez escalou artistas de diversas partes da América Latina.
São cubanos, mexicanos, uruguaios, colombianos, brasileiros, argentinos, chilenos e venezuelanos. São latino-americanos, "pero no mucho" (mas não muito), já que a idéia também não era mostrar os particularismos culturais de cada país, mas dar uma amostra de como neles também se faz arte de alcance universal.
"A arte cada vez é mais uniforme. Um artista japonês cada vez mais produz o mesmo do que um da Islândia", opina o curador, que buscou durante três anos peças "que pudessem ser tomadas como próprias por espectadores de qualquer metrópole do mundo".
E por que então artistas da América Latina e não da Oceania?
Porque, mesmo diante desse processo de globalização da qualidade artística, cada região ainda apresentaria uma dinâmica particular, e a do continente sul-americano seria a mais rica.
"Há atualmente no plano cultural um dinamismo notável latino-americano, que está relacionado com o cansaço histórico de civilizações como a européia."
Mas essa pujança ainda não estaria tão aparente no cenário internacional graças a um excesso de estereótipos que teriam se acumulado ao longo de séculos nas costas do termo "arte latino-americana". Para tanto, o curador buscou obras de arte feitas nesse continente que estivessem despojadas de qualquer aresta de "carmenmirandização". Selecionou, como ele diz, peças que mostrassem "uma visão "cool'".
"Tentei romper com os lugares-comuns. Eliminar as suas associações com o indigenismo, o selvagem, o primitivo, ou mesmo com o realismo fantástico", explica o catedrático de estética e teoria artística na Universidade Autônoma de Madri.
Sem essas cargas, o eclipse que ainda obstrui a visão do brilho artístico latino estaria pronto para acabar, dando lugar a "um protagonismo da América Latina no terreno da arte e da cultura que está emergindo".
Os artistas selecionados por Jiménez não estão muito longe disso. Todos os brasileiros escolhidos, por exemplo, já puderam colher, em diferentes escalas, reconhecimento internacional a seus trabalhos.
É o caso de veteranos, como Cildo Meireles e Tunga (que faz uma performance hoje, às 19h30, na abertura da exposição), ou de nomes mais recentes, como Adriana Varejão, Rosângela Rennó, José Damasceno, Eduardo Kac e Ernesto Neto, que neste momento expõe com grande sucesso na Bienal de Veneza.
Neto seria, aliás, um exemplo de outra nuança da teoria de Jiménez. O artista carioca, que tem seu "Aconteceu num Fim de Tarde" (um grande pufe branco) bem no centro do espaço expositivo, representaria um tipo de arte que incorporaria traços da sua tradição cultural para transformá-los em arte universal.
"Qualquer espectador do mundo pode se encantar com Ernesto Neto, mesmo não reconhecendo um diálogo que ele mantém com toda uma trajetória brasileira da assimilação da sensualidade na arte, como fez, por exemplo, Lygia Clark", diz.
O "qualquer espectador do mundo" não é força de expressão. A mostra que está sendo inaugurada hoje no espaço da Fundação Telefónica será transportada para outras cidades da Espanha, depois para outros países europeus e, por fim, para a América Latina.
Não se sabe se o fantasma da "arte latino-americana" realmente existe. Mas ele deve estar entre nós só em 2002.


O FINAL DO ECLIPSE - Quando: de terça a sexta, das 10h às 14h e das 17h às 20h; sábados e domingos, das 10h às 14h; até 18 de novembro. Onde: Fundação Telefónica (rua Fuencarral, 3, centro, Madri). Artistas: Gustavo Artigas, Fabiana Barreda, Luis Camnitzer, María Fernanda Cardoso, Abraham Cruzvillegas, José Damasceno, Carlos Garaicoa, Yolanda Gutiérrez, Ignacio Iturria, Alfredo Jaar, Eduardo Kac, Ernesto Leal, Jorge Macchi, César Martínez, Cildo Meireles, Ernesto Neto, Nadín Ospina, Marta María Pérez Bravo, Liliana Porter, Pablo Reinoso, Rosângela Rennó, Tunga, Adriana Varejão, Pablo Vargas Lugo, Meyer Vaisman e Augusto Zanela (outros 13 artistas participam com obras de webarte e videoarte).



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