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Latinos (pero no mucho)
Exposição em Madri quer revelar estética universal da América Latina
CASSIANO ELEK MACHADO
EM MADRI
Um fantasma ronda a Península
Ibérica. Essa alma penada se chama arte latino-americana e ela deve vagar esta noite pelo amplo saguão de um prédio bem no miolo
da Espanha. É em torno dessa assombração que se reúnem os 39
artistas que participam da exposição "O Final do Eclipse", que começa hoje, em Madri.
Eles seguem o convite de um
professor de filosofia espanhol
que não acredita em fantasmas.
Pelo menos não neste.
"A arte latino-americana não
existe", diz José Jiménez, 51, curador da mostra. "É um termo criado por questões claramente ideológicas e mercadológicas. Uma
denominação européia e norte-americana que classifica de modo
uniforme tradições culturais muito diferentes."
Para exorcizar esse rótulo, que
coloca sob o mesmo lençol artes
com raízes diferentes como o muralismo político mexicano e o modernismo antropofágico brasileiro, Jiménez escalou artistas de diversas partes da América Latina.
São cubanos, mexicanos, uruguaios, colombianos, brasileiros,
argentinos, chilenos e venezuelanos. São latino-americanos, "pero
no mucho" (mas não muito), já
que a idéia também não era mostrar os particularismos culturais
de cada país, mas dar uma amostra de como neles também se faz
arte de alcance universal.
"A arte cada vez é mais uniforme. Um artista japonês cada vez
mais produz o mesmo do que um
da Islândia", opina o curador, que
buscou durante três anos peças
"que pudessem ser tomadas como próprias por espectadores de
qualquer metrópole do mundo".
E por que então artistas da
América Latina e não da Oceania?
Porque, mesmo diante desse
processo de globalização da qualidade artística, cada região ainda
apresentaria uma dinâmica particular, e a do continente sul-americano seria a mais rica.
"Há atualmente no plano cultural um dinamismo notável latino-americano, que está relacionado
com o cansaço histórico de civilizações como a européia."
Mas essa pujança ainda não estaria tão aparente no cenário internacional graças a um excesso
de estereótipos que teriam se acumulado ao longo de séculos nas
costas do termo "arte latino-americana". Para tanto, o curador
buscou obras de arte feitas nesse
continente que estivessem despojadas de qualquer aresta de "carmenmirandização". Selecionou,
como ele diz, peças que mostrassem "uma visão "cool'".
"Tentei romper com os lugares-comuns. Eliminar as suas associações com o indigenismo, o selvagem, o primitivo, ou mesmo com
o realismo fantástico", explica o
catedrático de estética e teoria artística na Universidade Autônoma de Madri.
Sem essas cargas, o eclipse que
ainda obstrui a visão do brilho artístico latino estaria pronto para
acabar, dando lugar a "um protagonismo da América Latina no
terreno da arte e da cultura que
está emergindo".
Os artistas selecionados por Jiménez não estão muito longe disso. Todos os brasileiros escolhidos, por exemplo, já puderam colher, em diferentes escalas, reconhecimento internacional a seus
trabalhos.
É o caso de veteranos, como Cildo Meireles e Tunga (que faz uma
performance hoje, às 19h30, na
abertura da exposição), ou de nomes mais recentes, como Adriana
Varejão, Rosângela Rennó, José
Damasceno, Eduardo Kac e Ernesto Neto, que neste momento
expõe com grande sucesso na Bienal de Veneza.
Neto seria, aliás, um exemplo de
outra nuança da teoria de Jiménez. O artista carioca, que tem seu
"Aconteceu num Fim de Tarde"
(um grande pufe branco) bem no
centro do espaço expositivo, representaria um tipo de arte que
incorporaria traços da sua tradição cultural para transformá-los
em arte universal.
"Qualquer espectador do mundo pode se encantar com Ernesto
Neto, mesmo não reconhecendo
um diálogo que ele mantém com
toda uma trajetória brasileira da
assimilação da sensualidade na
arte, como fez, por exemplo,
Lygia Clark", diz.
O "qualquer espectador do
mundo" não é força de expressão.
A mostra que está sendo inaugurada hoje no espaço da Fundação
Telefónica será transportada para
outras cidades da Espanha, depois para outros países europeus
e, por fim, para a América Latina.
Não se sabe se o fantasma da
"arte latino-americana" realmente existe. Mas ele deve estar entre
nós só em 2002.
O FINAL DO ECLIPSE - Quando: de terça
a sexta, das 10h às 14h e das 17h às 20h;
sábados e domingos, das 10h às 14h; até
18 de novembro. Onde: Fundação
Telefónica (rua Fuencarral, 3, centro,
Madri). Artistas: Gustavo Artigas,
Fabiana Barreda, Luis Camnitzer, María
Fernanda Cardoso, Abraham
Cruzvillegas, José Damasceno, Carlos
Garaicoa, Yolanda Gutiérrez, Ignacio
Iturria, Alfredo Jaar, Eduardo Kac,
Ernesto Leal, Jorge Macchi, César
Martínez, Cildo Meireles, Ernesto Neto,
Nadín Ospina, Marta María Pérez Bravo,
Liliana Porter, Pablo Reinoso, Rosângela
Rennó, Tunga, Adriana Varejão, Pablo
Vargas Lugo, Meyer Vaisman e Augusto
Zanela (outros 13 artistas participam
com obras de webarte e videoarte).
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