São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2001

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"ORFEU NEGRO"/DVD

Filme é o clássico da "macumba para turista"

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O moleque empina uma pipa do alto do morro, e a canção, famosa, nos fala da felicidade como uma pluma de vôo leve, mas vida breve. Num raro sopro de inspiração poética, o diretor Marcel Camus encontra, no curto vôo da pipa, a metáfora de "Orfeu Negro", filme em que busca, na euforia passageira do Carnaval, a eternidade de um mito.
Explosão de Eros, vizinhança de Tanatos: no transe dionisíaco do Carnaval, o amor e a morte unem tragicamente os destinos de Eurídice (Marpessa Dawn) e de Orfeu (Breno Mello). Mas chega de poesia. Camus não tem talento para ela. Os laivos de poesia órfica de seu filme devem ser atribuídos a Vinicius de Moraes, autor da peça ("Orfeu da Conceição") da qual Camus se apropriou.
Segundo a lenda, foi passando as férias no Rio, à espera do dinheiro para finalizar seu primeiro longa ("Mort en Fraude"), que Camus, encantado com a cidade, aprendeu com Vinicius que, no Brasil, "felicidade de pobre" é "a grande ilusão do Carnaval". Na lenda da versão de Vinicius, Orfeu, o cantor dos imortais, desce do morro, o seu Olimpo, para buscar Eurídice no inferno que é o caos da cidade pós-Carnaval.
Já a "felicidade de Camus" foi a "grande ilusão de Cannes". Cegado pela Palma de Ouro no Festival e o Oscar de filme estrangeiro que recebeu por "Orfeu Negro", o cineasta embrenhou-se cada vez mais na trilha do exotismo barato, provando que sua fama era mesmo "fogo de palha" que, tal como a pluma de Vinicius, dependia da força dos ventos.
Os que cultuam "Orfeu Negro" (1959) vislumbram sua poesia, e os que o detratam salientam sua inautenticidade. E o fato é que nenhum outro filme estrangeiro reforçou tanto a imagem clichê do Brasil exótico quanto o de Camus. "Orfeu Negro" é o clássico da "macumba para turista".
Na época, enquanto sua nouvelle vague consagrava-se nesse mesmo Festival de Cannes que premiou Camus, Jean-Luc Godard denunciava, nas páginas da revista Cahiers du Cinéma, o exotismo "cartão-postal" de "Orfeu Negro". Ele, que estivera no Brasil na juventude, não entendia como o hábil diretor de fotografia Jean Bourgoin fora inventar de competir, através de tantos filtros coloridos e rígidos, com a suavidade da luz natural do Rio.


Orfeu Negro    
Direção: Marcel Camus
Produção: Brasil/França/Itália, 1959
Com: Marpessa Dawn, Breno Mello, Lourdes de Oliveira
Distribuidora: Versátil





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