São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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MÔNICA BERGAMO

O destino de Aguinaldo

Ana Ottoni/Folha Imagem
Aguinaldo acompanha minuto a minuto a audiência de "Senhora do Destino" em um programa de computador


É da cabeça de Aguinaldo Silva que vão brotar os assuntos que farão parte, nos próximos meses, de conversas em casas, escritórios e botecos de todo o país. Um casal homossexual pode adotar uma criança? É correto a televisão mostrar cenas de carinho entre duas mulheres que mantêm um relacionamento amoroso? Essas são algumas das polêmicas que ele já começou a introduzir em "Senhora do Destino", a trama das oito da TV Globo que vem batendo recordes de audiência. E o que vai pela cabeça do ex-repórter policial Aguinaldo Silva? Aos 60 anos, homossexual, ele também já pensou em adotar um filho. Mas, quando isso aconteceu, há uns dez anos, "já era tarde. O que eu iria fazer, aos 50 anos, com uma criança que não era minha?".

Ele conta que um amigo com quem viveu durante oito anos trouxe o seu filho para morar com os dois. Aguinaldo acabou se apegando a ele como se fosse o seu próprio filho. "Foi uma chama na minha vida. Comecei a me sentir responsável. Ele saía e eu me preocupava. O próprio pai ficou horrorizado."

Sentado no sofá de sua casa, num condomínio da Barra da Tijuca, no Rio, aconchegando no colo Tadeu, seu gato siamês, e cercado por uma coleção de vasos de Gallé, bustos de mármore e cobre, além de outras peças antigas e raras, Aguinaldo Silva indaga: "Você acha que pode haver muita rejeição (ao casal homossexual na novela)? Eu acho que não. Há um certo trauma inicial mas ninguém é expulso do paraíso por causa disso."

O autor conta que, aos 14 anos, passou por um dos momentos mais dramáticos de sua vida. Aos olhos do garoto que era Aguinaldo, o episódio pareceu apenas difícil. Anos mais tarde, ele perceberia a brutalidade por que passou.

Numa eleição do colégio Americano Batista, no Rio, onde estudava, Aguinaldo foi eleito pelos colegas a "miss" do ano. "Eu já era um garoto "ambíguo", vamos dizer assim. E todos combinaram de votar em mim." Quando os votos começaram a ser abertos por um pastor da escola, as crianças começaram a gritar, e Aguinaldo quase foi linchado. Correu para o banheiro e lá se trancou, morto de medo. Nada contou aos pais. Por três dias, vestiu o uniforme e saiu fingindo que ia para o colégio -mas na verdade perambulava pela rua, com receio de se aproximar dos colegas.

Os ombros de Aguinaldo, hoje, suportam a maior audiência da maior emissora do país, e a responsabilidade pesa bem mais que a mão de uma criança. Pela missão, ele ganha quanto? R$ 60 mil por mês? "Eu nunca disse isso! Estão querendo diminuir meu salário...". Ele diz que, em tese, um autor de novela das oito pode chegar a ganhos de até R$ 300 mil mensais.

Aguinaldo trabalha em casa, com disciplina de quartel. Acorda às 5h30, desliga os alarmes da casa, vai até a porta e pega os jornais. Liga o gás e prepara o café da manhã -Aguinaldo não tem empregados, só uma faxineira, três vezes por semana. Às 6h10, depois de tomar suco de laranja, café com leite e comer pão com presunto, queijo e ovos, ele sobe para o banho. Passa cremes, hidratantes, se veste e, às 7h, começa a escrever. Às 12h, pára tudo para uma refeição bem leve -às vezes, uma omelete. Dorme até as 14h15, resolve coisas da casa até as 15h, volta ao escritório e escreve até as 18h30. Às 19h10, prepara o próprio jantar. Às 20h, liga a TV e aguarda o início da novela.

Começa então o martírio. "Ai, não. Hoje vai ser um desastre", diz Aguinaldo ao ver os números do Ibope: 23 pontos, por causa do horário eleitoral. Isso significa que o capítulo da novela terá que ser bom o suficiente para fazer com que 2,6 milhões de casas sintonizem os televisores na Globo, chegando ao total de 40 pontos no Ibope.

A emissora instalou um programa na casa do autor por meio do qual ele pode acompanhar os números do Ibope minuto a minuto. Ele conta que, nos primeiros capítulos, não entendia direito como funcionava "a maquininha". Sofria tanto que saía correndo da sala de TV para acender velas "para as entidades" darem um empurrãozinho na audiência.

A novela começa. O Ibope salta para 31 pontos. Entram cenas de sexo entre Maria Eduarda (Débora Falabella) e Viriato (Marcello Antony). Novo salto. Entram Raul Cortez e Glória Menezes. Mais pontos... e a novela termina com 66% dos aparelhos de TV ligados sintonizados na TV Globo, o equivalente a 46 pontos. O SBT registra cinco pontos; a Record, 3.2; a Rede TV!, 1.7; a TV Cultura, 1.3; e a Bandeirantes, 0.3.

"Confesso que me dá um certo constrangimento porque a audiência dos outros canais vai caindo, caindo...", diz Aguinaldo. Ele aprendeu muito acompanhando esses números. Descobriu, por exemplo, que as pessoas se afastam da TV quando têm dinheiro para buscar outra diversão. Na primeira semana do mês, a do pagamento do salário, a audiência sempre cai, pelo menos dois pontos. Letícia Spiller é odiada pelas mulheres. "Ela emite um sinal que significa "perigo'", diz. "As mulheres mais odiadas que já vi são Betty Faria e a Letícia. Mas nem por isso deixam de fazer sucesso."

Sexo e violência são sucesso garantido. "No dia em que o marido da Rita (Adriana Lessa) bateu nela, o Ibope foi para 48. Uma coisa impressionante."

A novela acaba, ele se prepara para dormir, na cama que ele mesmo arrumou. "Aos 60 anos, fiquei meio neurastênico. As pessoas me incomodam." Quando escreve a novela, Aguinaldo -que já teve seis empregados- não gosta de ninguém andando pela casa.

@: bergamo@folhasp.com.br

COM ÁLVARO PEREIRA E DANIEL BERGAMASCO



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