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FESTIVAL DE VENEZA
Novo Emir Kusturica embola disputa
AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza
O cineasta bósnio Emir Kusturica repetiu ontem em Veneza a estratégia de Cannes-95 e credenciou-se para o segundo Leão de
Ouro de sua carreira.
O primeiro revelou-o ao mundo
em seu filme de estréia, "O Que
Aconteceu a Dolly Bell?" (81). Há
três anos, Kusturica conquistou
sua segunda Palma de Ouro, apresentando "Underground " no penúltimo dia de Cannes.
Ontem foi a vez de "Black Cat,
White Cat" (Gato Preto, Gato
Branco) atropelar por fora, colher
os maiores aplausos e ameaçar o
favoritismo de "Cosi Ridevano"
(Assim Riam), de Gianni Amelio.
"Black Cat" é uma versão escrachada de "Vida Cigana" (89). Jamais Kusturica apostara tanto em
sua veia histriônica. Havia humor
em seus filmes anteriores, sobretudo em "Underground". Mas
"Black Cat" é 100% cômico.
Kusturica mescla sua faceta Fellini com o apelo humorístico dos
desenhos animados de Chuck Jones. Seu humor é escatológico. Um
porco passa o filme comendo um
carro. Uma armadilha atira um
personagem na merda. É por ai.
Kusturica troca sofisticação por
comunicabilidade. O filme foi
aplaudido em cena aberta. Parece
responder ao fracasso comercial
de "Underground".
Como sempre Kusturica aposta
na estética do excesso. A música cigana embala o balé da câmera. As
interpretações são todas exageradas, berrantes. A cenografia é de
um expressionismo de "bric-à-brac". "A estética dos ciganos tende muito para o kitsch, mas é muito bonita", assumia ontem o cineasta durante a consagradora entrevista coletiva.
O enredo envolve três gerações
de ciganos sediados no Leste Europeu, às margens do rio Danúbio.
Dois chefões octogenários, Grga e
Zarije, não se encontram há 25
anos. O filho do segundo, Matko,
pede um empréstimo a Grga em
nome da velha amizade, mentindo
sobre a morte do pai.
Matko usa o dinheiro para aliar-se num golpe ao gângster cocainômano Dadan. A negociata fracassa
e Dadan propõe zerar as dívidas se
Zare, o filho de Matko, casar-se
com sua irmã encalhada, Afrodita.
Mas os jovens têm outros planos.
Essa trama de "vaudeville" vira
um cartum de carne e osso nas
mãos de Kusturica. O veterano
Grga, com suas cadeiras turbinadas e apaixonado por "Casablanca", ilumina a tela como o único
personagem antológico.
Os ciganos de Kusturica são todos feios, sujos, malandros -mas
bonzinhos. Não se busca o realismo, mas o humor da caricatura.
Kusturica como que "tarantiniza"
os ciganos. É sua heterodoxa forma de enobrecê-los.
O resultado pode não ser seu melhor filme, mas é o de maior empatia. Acostumado a colecionar prêmios, Kusturica deve conquistar
agora seu maior público. Era o que
lhe faltava.
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