São Paulo, sábado, 12 de setembro de 1998

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FESTIVAL DE VENEZA
Novo Emir Kusturica embola disputa

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

O cineasta bósnio Emir Kusturica repetiu ontem em Veneza a estratégia de Cannes-95 e credenciou-se para o segundo Leão de Ouro de sua carreira.
O primeiro revelou-o ao mundo em seu filme de estréia, "O Que Aconteceu a Dolly Bell?" (81). Há três anos, Kusturica conquistou sua segunda Palma de Ouro, apresentando "Underground " no penúltimo dia de Cannes.
Ontem foi a vez de "Black Cat, White Cat" (Gato Preto, Gato Branco) atropelar por fora, colher os maiores aplausos e ameaçar o favoritismo de "Cosi Ridevano" (Assim Riam), de Gianni Amelio.
"Black Cat" é uma versão escrachada de "Vida Cigana" (89). Jamais Kusturica apostara tanto em sua veia histriônica. Havia humor em seus filmes anteriores, sobretudo em "Underground". Mas "Black Cat" é 100% cômico.
Kusturica mescla sua faceta Fellini com o apelo humorístico dos desenhos animados de Chuck Jones. Seu humor é escatológico. Um porco passa o filme comendo um carro. Uma armadilha atira um personagem na merda. É por ai.
Kusturica troca sofisticação por comunicabilidade. O filme foi aplaudido em cena aberta. Parece responder ao fracasso comercial de "Underground".
Como sempre Kusturica aposta na estética do excesso. A música cigana embala o balé da câmera. As interpretações são todas exageradas, berrantes. A cenografia é de um expressionismo de "bric-à-brac". "A estética dos ciganos tende muito para o kitsch, mas é muito bonita", assumia ontem o cineasta durante a consagradora entrevista coletiva.
O enredo envolve três gerações de ciganos sediados no Leste Europeu, às margens do rio Danúbio. Dois chefões octogenários, Grga e Zarije, não se encontram há 25 anos. O filho do segundo, Matko, pede um empréstimo a Grga em nome da velha amizade, mentindo sobre a morte do pai.
Matko usa o dinheiro para aliar-se num golpe ao gângster cocainômano Dadan. A negociata fracassa e Dadan propõe zerar as dívidas se Zare, o filho de Matko, casar-se com sua irmã encalhada, Afrodita. Mas os jovens têm outros planos.
Essa trama de "vaudeville" vira um cartum de carne e osso nas mãos de Kusturica. O veterano Grga, com suas cadeiras turbinadas e apaixonado por "Casablanca", ilumina a tela como o único personagem antológico.
Os ciganos de Kusturica são todos feios, sujos, malandros -mas bonzinhos. Não se busca o realismo, mas o humor da caricatura. Kusturica como que "tarantiniza" os ciganos. É sua heterodoxa forma de enobrecê-los.
O resultado pode não ser seu melhor filme, mas é o de maior empatia. Acostumado a colecionar prêmios, Kusturica deve conquistar agora seu maior público. Era o que lhe faltava.



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