São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

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CINEMA/ESTRÉIAS

"A ESPINHA DO DIABO"

Terceiro trabalho do mexicano Guillermo del Toro é produção de Pedro e Agustín Almodóvar

Filme de horror faz metáfora de guerra

DA REPORTAGEM LOCAL

"É um filme com fantasma, não de fantasma. Trata da violência e da falta de entendimento", diz o diretor mexicano Guillermo del Toro, 36, ao falar à Folha sobre "A Espinha do Diabo", seu terceiro filme, que chega agora ao Brasil.
Contar a história de um orfanato assombrado pelo fantasma de um menino, Santi, que nele morreu de forma sangrenta, foi o modo que Del Toro, autor de "Cronos" (93) e de "Mutações" (97), escolheu para falar dos horrores, bastante mais terrenos, da guerra.
O resultado é cru. Del Toro não tem o menor pudor em matar criancinhas. "Para fazer concessões existe o cinema americano", diz. "Num filme de guerra com crianças é inevitável alguma brutalidade. A vida real é bem pior."
"Mesmo quando o conflito acaba", diz Del Toro, "deixa atrás de si tristeza e fantasmas, arranca vidas, destrói memórias, destroça famílias". No filme, explica, pretendeu reproduzir, no microcosmo do orfanato, a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
"São quatro paredes perdidas em meio ao nada, uma metáfora da Espanha, protegida por uma instituição republicana leal atacada por um fascismo raivoso e jovem", como o personagem de Jacinto, bedel da instituição e principal pavor dos órfãos.
Para ele, a luta contra o franquismo lhe pareceu a situação histórica "mais apropriada" para o filme. "Ela prefigura a Segunda Guerra Mundial e, assim, se torna uma espécie de fantasma para toda a Europa. Além disso, a Espanha ficou isolada, sem ter quem a ajudasse", conta, reforçando a metáfora.
Com o título, Del Toro lança outra comparação. A espinha do diabo é, na verdade, a espinha bífida (anomalia fetal causada por baixo consumo de ácido fólico pela gestante). As causas da doença eram desconhecidas no momento retratado no filme.
A menção à anomalia é "rápida, porém profunda", afirma Del Toro. "O personagem diz que é algo que acontece aos filhos de ninguém, aos que não deveriam ter nascido. E, no fim, não é nada mais que doença e pobreza. Como a guerra, que destrói as crianças antes que cresçam."
Para ressaltar sua convicção de que a violência não é solução, mesmo quando está do lado do mocinho, Del Toro conta que tentou fugir do maniqueísmo, do aplauso quando morre o "malvado" -coisa que, acha, jamais poderia fazer em Hollywood.
"A liberdade não é natural na indústria do cinema americano; há que conquistá-la", diz o cineasta, falando justamente de Los Angeles. Era lá que, depois da produção bancada pelos irmãos Almodóvar, finalizava seu quarto trabalho, o "filme de encomenda" "Blade 2". (FRANCESCA ANGIOLILLO)


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