São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

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LITERATURA

Escritor faz crítica aberta ao fundamentalismo islâmico

Nobel da guerra vai para V.S. Naipaul

DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor de ascendência indiana Vidiadhar Surajprasad Naipaul, 69, ganhou ontem o Prêmio Nobel de Literatura de 2001, concedido em Estocolmo no valor de US$ 1 milhão. Segundo a declaração da Academia Sueca, o prêmio foi entregue ao autor por sua obra ter "unido uma narrativa perceptiva e uma incorruptível busca, em trabalhos que nos impulsionam a vislumbrar a presença de histórias ocultas". O escritor foi descrito pela academia como "um circunavegador literário, que só se sente em casa em si mesmo, em sua inimitável voz".
No ano passado, o Nobel foi concedido ao chinês exilado Gao Xingjian, num gesto considerado como claramente político pelos críticos no sentido de denunciar o regime de Pequim. Neste ano, a academia chegou a considerar o cancelamento da premiação devido aos ataques norte-americanos ao Afeganistão.
A obra de V.S. Naipaul faz crítica aberta ao fundamentalismo islâmico em livros como "Entre Fiéis" (81), um relato colhido no Irã, Paquistão, Malásia e Indonésia, países que visitou entre 79 e 80, e "Além da Fé" (98). Segundo o porta-voz da Academia Sueca, Horace Engdahl, "o que Naipaul realmente critica na cultura islâmica é o traço comum a todas as culturas de conquistadores, que tende a oprimir todas as culturas precedentes".
"Não creio que teremos protestos no mundo islâmico", disse Engdahl à Associated Press. "Se eles se dedicarem a ler esses livros, verão que se trata de uma visão bem mais nuançada do Islã."
Tido como um dos maiores prosadores vivos em língua inglesa e um autor polêmico, Naipaul recentemente protagonizou mais uma controvérsia na Inglaterra ao afirmar que o efeito do islamismo no mundo era "calamitoso", comparando a fé muçulmana ao colonialismo. Durante uma leitura de seus livros em Londres, o autor disse que o islamismo "escravizou e tentou eliminar outras culturas". "Para se converter, você tem que destruir seu passado e sua história", afirmou.
Nascido em Trinidad e Tobago em 1932, descendente de uma família do norte da Índia, V.S. Naipaul viveu no Caribe até os 18 anos, quando se mudou para a Inglaterra a fim de estudar na Universidade de Oxford. Ao tomar conhecimento da premiação, ontem, o escritor disse que se trata de "um elogio inesperado". "É uma grande homenagem à Inglaterra, o meu país, e à Índia, país de meus antepassados", declarou Naipaul, que desde 1990 ostenta o título de "sir", concedido pela realeza britânica, e que ganhou o Booker Prize em 1971.
Outros nomes cotados para o Nobel deste ano eram os do poeta francês Yves Bonnefoy, dos escritores americanos Norman Mailer e Joyce Carol Oates e do sul-africano John Michael Coetzee.
Considerado por si mesmo como um autor cosmopolita e sem raízes, Naipaul é uma espécie de paradigma do autor pós-colonial e da escrita no exílio, com identidade mista entre a Europa e as culturas em desenvolvimento.
"A maioria de nós conhece nossos pais e avós, mas nossas origens são mais distantes, remontamos ao infinito: todos remontamos até a origem da raça em nosso sangue, nossos ossos, nosso cérebro. Arrastamos a memória de milhares de seres", escreveu Naipaul, em "Um Caminho no Mundo", livro de forte teor autobiográfico.
Com exceção de um curto período em que atuou como correspondente da BBC para o Caribe, desde os 26 anos Naipaul se dedicou integralmente à literatura, sempre viajando pelo mundo, prática que considera primordial para sua literatura.

Brasil
Naipaul tem oito livros publicados no Brasil, cinco deles esgotados. A Companhia das Letras, editora responsável pela publicação de sua obra no país, diz que, após a premiação, pretende relançar os não disponíveis.
Seus títulos atualmente no mercado são "Entre Fiéis" (81), "Além da Fé" (98) e "Índia" (77). Os títulos esgotados são "O Enigma da Chegada" (87), "Um Caminho no Mundo" (94), "Os Mímicos" (67), "Guerrilheiros" (75) e sua obra mais conhecida, "Uma Casa para o Senhor Biswas" (61), com a qual se tornou conhecido para os leitores de língua inglesa.
Além de ter escrito mais de 25 títulos, entre ficção e não ficção, V.S. Naipaul foi retratado por Paul Theroux em "Sir Vidia's Shadow: A Friendship across Five Continents". O livro, um relato da amizade entre os dois escritores que se conheceram na África na década de 1960, é um acerto de contas das desavenças entre os dois.


Com agências internacionais



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