São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

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MÚSICA

"Olha Ela de Novo" é o primeiro fruto da residência da dupla em Londres; disco com Sophie Calle sai em março

Tetine investiga todos os "transgêneros"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na capa de "Olha Ela de Novo", a dupla Tetine -um casal- se beija. Ela, Eliete Mejorado, 34, paulista, está de bigode. Ele, Bruno Verner, 30, mineiro, tem batom e peruca. A brincadeira é com o "transgênero", mas para a dupla não é um dado que pertença apenas ao campo sexual.
"Olha Ela de Novo", quarto álbum dos dois (e independente, tanto quanto todos os outros), é também um "transgênero" de nacionalidade: é seu primeiro produto gravado desde que a dupla formada em São Paulo se fixou em Londres. Terminada a residência sobre Nelson Rodrigues que fizeram na universidade Queen Mary, resolveram permanecer na Inglaterra, por tempo indeterminado.
Daí surgiu outro "transgênero": o Tetine grava com a artista multimídia francesa Sophie Calle, parceria de Paul Auster, mais um CD, já batizado "Samba de Monalisa", que será lançado em março pelo selo Sulphur, de penetração em galerias de arte mundo afora.
No disco, Bruno e Eliete retrabalham textos de Sophie para o filme "No Sex Last Night", sampleando sua voz e criando música para o que ela diz. "Nunca havíamos falado com Sophie, ela não nos conhecia. Mandamos nossos CDs, ela disse que achou muito bonita nossa música e aceitou a parceria. Fizemos tudo pela internet", conta Eliete.
O encontro com Sophie Calle é senha a mais de continuidade do fluxo "transgênero" que a dupla já implementava com dificuldade no Brasil, interpondo e relacionando música, teatro e artes plásticas. "Olha Ela de Novo" é, segundo eles, astro dessa galáxia, embora seja, sim, o disco mais puramente musical do Tetine.
"Acho que esse é o nosso disco mais pop, mais acessível, mas isso não significa que seja mais superficial. É menos discursivo no sentido das letras agirem um pouco menos narrativamente. As letras são mais concisas, as músicas foram escritas como canções", diz Bruno sobre a questão musical.
"A idéia era fazer um disco de música eletrônica mais pop. Todos os nossos discos anteriores nasceram de performances que fizemos, esse foi mais musical mesmo", afirma Eliete. Formada atriz, só agora ela começa a usar o termo "cantora" para se designar ("mas não pense que acho que sou a Angela Maria").
Ela continua: "O CD demonstra todo meu amor por Angela Ro Ro, por Maria Alcina, por Elizângela, Sandra Bréa, Lilian, Celly Campello, Maysa, Kátia, Alcione, Clara Nunes, eu não ia parar nunca essa lista...".
Ainda assim, com a exceção da faixa-título, "Olha Ela de Novo" é um disco em inglês. Mas não é, segundo eles, um disco inglês. "Não viramos britânicos, continuamos a ser uma dupla "brasuca". Só estamos radicados na Inglaterra neste momento", diz Bruno.
Eliete aprofunda: "A "ela" do título sou eu. Mas é uma metáfora do Brasil, que vira uma espécie de um namorada que mora longe. "Ela" reflete o jogo do poder, o jogo dos prazeres, da alegria, do sexo, da bunda, do apagão, dos governos incompetentes, do jeitinho, do futebol, das gravadoras pilotadas por homens, da pobreza, da riqueza. É um CD sobre mulher".
""Ela" somos nós mesmos. "Ela" em alguns momentos é o Brasil, ou a Inglaterra. Em outros, os artistas, as mulatas, os lobistas. "Ela" sou eu no feminino. Contraditoriamente, o Brasil é um país machista, a tradição de homens no poder é muito maior em todas as áreas", concorda e critica Bruno.
Na faixa-título, "ela" pode ser até Lobão, citado no modo como Bruno canta e um artista com que o Tetine compartilha o isolamento no Brasil. "Eu faria um CD inteiro só para ele", brinca Eliete.
Bruno, músico de origem no pop-rock dos 80, vai além: "Lobão e Os Ronaldos foram uma coisa importante na minha vida aos 14 anos. Achava a banda dele com a Alice Pink Punk a coisa mais cool que havia no rock brasileiro. Identifico-me completamente quanto ao isolamento, Tetine sempre foi isolado também. No Brasil, se não encaixa, excluem".
Na Inglaterra, em tempo de guerra, sentem em outros termos a exclusão. "Dá uma mistura de medo e de raiva. O discurso americano e inglês diz buscar a justiça, mas para mim não fica nem um pouco clara a diferença entre justiça e vingança", diz Eliete.
"Bombardeio com comida é um absurdo. Compro pão todos os dias no mercadinho afegão/paquistanês ao lado de casa e vejo os vendedores cada dia mais amuados. Fico triste", concorda Bruno.
Mas... A dupla sempre concorda em tudo, mesmo na hora de gravar? "É muito difícil falar separadamente, porque o processo foi todo junto. Teve lá suas brigas, é claro. Um queria a música de um jeito e o outro de outro. O Tetine é tenso. E obsessivo", diz Eliete.
Novo fruto da obsessão, "Olha Ela de Novo" pode ser comprado pelo site da dupla, www.uol.com.br/tetine, ou, em São Paulo, na loja Bizarre.



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