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MÚSICA
"Olha Ela de Novo" é o primeiro fruto da residência da dupla em Londres; disco com Sophie Calle sai em março
Tetine investiga todos os "transgêneros"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na capa de "Olha Ela de Novo",
a dupla Tetine -um casal- se
beija. Ela, Eliete Mejorado, 34,
paulista, está de bigode. Ele, Bruno Verner, 30, mineiro, tem batom e peruca. A brincadeira é
com o "transgênero", mas para a
dupla não é um dado que pertença apenas ao campo sexual.
"Olha Ela de Novo", quarto álbum dos dois (e independente,
tanto quanto todos os outros), é
também um "transgênero" de nacionalidade: é seu primeiro produto gravado desde que a dupla
formada em São Paulo se fixou
em Londres. Terminada a residência sobre Nelson Rodrigues
que fizeram na universidade
Queen Mary, resolveram permanecer na Inglaterra, por tempo indeterminado.
Daí surgiu outro "transgênero":
o Tetine grava com a artista multimídia francesa Sophie Calle, parceria de Paul Auster, mais um CD,
já batizado "Samba de Monalisa",
que será lançado em março pelo
selo Sulphur, de penetração em
galerias de arte mundo afora.
No disco, Bruno e Eliete retrabalham textos de Sophie para o
filme "No Sex Last Night", sampleando sua voz e criando música
para o que ela diz. "Nunca havíamos falado com Sophie, ela não
nos conhecia. Mandamos nossos
CDs, ela disse que achou muito
bonita nossa música e aceitou a
parceria. Fizemos tudo pela internet", conta Eliete.
O encontro com Sophie Calle é
senha a mais de continuidade do
fluxo "transgênero" que a dupla já
implementava com dificuldade
no Brasil, interpondo e relacionando música, teatro e artes plásticas. "Olha Ela de Novo" é, segundo eles, astro dessa galáxia,
embora seja, sim, o disco mais puramente musical do Tetine.
"Acho que esse é o nosso disco
mais pop, mais acessível, mas isso
não significa que seja mais superficial. É menos discursivo no sentido das letras agirem um pouco
menos narrativamente. As letras
são mais concisas, as músicas foram escritas como canções", diz
Bruno sobre a questão musical.
"A idéia era fazer um disco de
música eletrônica mais pop. Todos os nossos discos anteriores
nasceram de performances que fizemos, esse foi mais musical mesmo", afirma Eliete. Formada atriz,
só agora ela começa a usar o termo "cantora" para se designar
("mas não pense que acho que
sou a Angela Maria").
Ela continua: "O CD demonstra
todo meu amor por Angela Ro
Ro, por Maria Alcina, por Elizângela, Sandra Bréa, Lilian, Celly
Campello, Maysa, Kátia, Alcione,
Clara Nunes, eu não ia parar nunca essa lista...".
Ainda assim, com a exceção da
faixa-título, "Olha Ela de Novo" é
um disco em inglês. Mas não é, segundo eles, um disco inglês. "Não
viramos britânicos, continuamos
a ser uma dupla "brasuca". Só estamos radicados na Inglaterra neste
momento", diz Bruno.
Eliete aprofunda: "A "ela" do título sou eu. Mas é uma metáfora
do Brasil, que vira uma espécie de
um namorada que mora longe.
"Ela" reflete o jogo do poder, o jogo
dos prazeres, da alegria, do sexo,
da bunda, do apagão, dos governos incompetentes, do jeitinho,
do futebol, das gravadoras pilotadas por homens, da pobreza, da
riqueza. É um CD sobre mulher".
""Ela" somos nós mesmos. "Ela"
em alguns momentos é o Brasil,
ou a Inglaterra. Em outros, os artistas, as mulatas, os lobistas. "Ela"
sou eu no feminino. Contraditoriamente, o Brasil é um país machista, a tradição de homens no
poder é muito maior em todas as
áreas", concorda e critica Bruno.
Na faixa-título, "ela" pode ser
até Lobão, citado no modo como
Bruno canta e um artista com que
o Tetine compartilha o isolamento no Brasil. "Eu faria um CD inteiro só para ele", brinca Eliete.
Bruno, músico de origem no
pop-rock dos 80, vai além: "Lobão
e Os Ronaldos foram uma coisa
importante na minha vida aos 14
anos. Achava a banda dele com a
Alice Pink Punk a coisa mais cool
que havia no rock brasileiro.
Identifico-me completamente
quanto ao isolamento, Tetine
sempre foi isolado também. No
Brasil, se não encaixa, excluem".
Na Inglaterra, em tempo de
guerra, sentem em outros termos
a exclusão. "Dá uma mistura de
medo e de raiva. O discurso americano e inglês diz buscar a justiça,
mas para mim não fica nem um
pouco clara a diferença entre justiça e vingança", diz Eliete.
"Bombardeio com comida é um
absurdo. Compro pão todos os
dias no mercadinho afegão/paquistanês ao lado de casa e vejo os
vendedores cada dia mais amuados. Fico triste", concorda Bruno.
Mas... A dupla sempre concorda
em tudo, mesmo na hora de gravar? "É muito difícil falar separadamente, porque o processo foi
todo junto. Teve lá suas brigas, é
claro. Um queria a música de um
jeito e o outro de outro. O Tetine é
tenso. E obsessivo", diz Eliete.
Novo fruto da obsessão, "Olha
Ela de Novo" pode ser comprado
pelo site da dupla, www.uol.com.br/tetine, ou, em São Paulo, na loja Bizarre.
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