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LIVRO/LANÇAMENTO
Para Huntington, "O Choque das Civilizações" tinha fundo de verdade, confirmado pelo 11 de setembro
"A história provou que eu tinha razão"
DA REDAÇÃO
Em 1993, Samuel P. Huntington
publicou "O Choque das Civilizações". Nele, dizia que o mundo se
dividia em civilizações fundadas
em diferenças culturais de longa
duração -o cristianismo ocidental, o ortodoxo, o islamismo e as
regiões confuciana, japonesa, hindu, budista, africana e latino-americana. Depois do fim da
Guerra Fria, a ideologia e a política deixariam de causar conflitos
internacionais, e a tensão se daria
a partir dessas divisões culturais.
Desde 11 de setembro de 2001,
Huntington não pára de ser discutido e questionado acerca de
sua teoria, tida, para alguns, como
profética em relação aos atentados e à guerra ao terrorismo, que
se seguiu depois. À Folha, ele lamenta o fato de a história ter
"confirmado" sua argumentação
e falou de "A Cultura Importa".
(SYLVIA COLOMBO)
Folha - O episódio do 11 de setembro provou que a cultura, hoje
em dia, importa cada vez mais?
Samuel Huntington - O 11 de setembro reforça a percepção das
pessoas sobre o grande impacto
da cultura nas relações internacionais. O episódio certamente
dramatizou seu significado -e
da religião em particular- para o
mundo de hoje. Tivemos recentemente vários exemplos de confrontações que têm, em alguma
medida, uma base cultural muito
forte, como a segunda Intifada e
as tensões entre Paquistão e Índia.
Folha - Desde 11 de setembro,
sua tese do choque das civilizações
tem sido amplamente citada. Acha
que a idéia geral foi banalizada?
Desde então, mudou algo em sua
maneira de ver a questão?
Huntington - Não acho que tenha sido banalizada, mas algumas
pessoas passaram a interpretá-la
de forma muito mecânica. Sobre
minha maneira de pensar, há algumas coisas que mudaram. Mas,
infelizmente, os acontecimentos
provaram que aquela análise tinha grande parcela de verdade.
Folha - O sr. diz que grandes traumas podem transformar a cultura
política de um país e nos dá o
exemplo de Alemanha e Japão depois da Segunda Guerra. Na América Latina, vivemos uma sequência
de traumas (ditaduras, golpes,
caos econômicos etc.). Ainda assim, nossa cultura política ainda
carrega vícios herdados do passado -clientelismo, corrupção etc.
Como o sr. explica isso?
Huntington - Nenhum desses
traumas que você mencionou pode ser comparado ao drama por
que passaram países que perderam a guerra. Não estou minimizando os efeitos das ditaduras na
vida das populações latino-americanas, mas acho que não foram o
suficiente para causar um impacto que levasse à reflexão e à transformação cultural necessária à sociedade e a seus governantes.
O argentino Mariano Grondona, no texto que está no livro, diz
que a Argentina viveu momentos
terríveis, primeiro durante a ditadura, com as mortes de milhares
de pessoas, depois com a hiper-inflação, o crescimento da dívida
etc. e que isso estaria fazendo com
que os argentinos reformassem
sua maneira de conduzir o país.
Realmente, no meio dos anos
90, a Argentina melhorou e fez reformas, no começo do governo
Menem, quando dolarizou sua
moeda etc. Só que isso só durou
pouco mais de cinco anos. Talvez
a Argentina ainda precise de uma
catástrofe maior para mudar sua
cultura política. Não estou recomendando isso, é claro.
Folha - Ou seja, a única maneira
de reformar a cultura política, em
países como Brasil e Argentina, por
exemplo, que passam por uma
aguda crise econômica, seria
aguardar uma catástrofe maior ou,
como o sr. diz no livro, depender da
ação de uma liderança política?
Huntington - Exatamente, essa é
a segunda possibilidade que costumo apontar. Liderança política
pode reconduzir um país, ultrapassando as barreiras da tradição.
Pode introduzir novas formas de
educação, aprimorar instituições,
estimular o trabalho, a honestidade e fazer com que as pessoas
poupem e invistam.
Folha - Nas últimas duas décadas,
os países latino-americanos têm se
democratizado. Ainda assim, os
problemas pelos quais atravessam
seguem sendo graves e pesquisas
indicam que cada vez mais pessoas
se desapontam com a democracia.
Por quê?
Huntington - Não sou pessimista
em relação à América Latina,
acho que vocês têm se desenvolvido muito, política e economicamente. Ainda que a crise econômica tenha se agravado de meados dos anos 90 para cá, é fato que
a América Latina progrediu, se
olharmos de um ponto de vista
histórico. O Brasil é um exemplo,
ao lado do Chile. É verdade que
outros não, como a Venezuela,
que está descendo ao inferno.
A CULTURA IMPORTA. De: Lawrence E.
Harrison e Samuel Huntington. Editora:
Record. Quanto: R$ 48 (460 págs.).
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