São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

Para Huntington, "O Choque das Civilizações" tinha fundo de verdade, confirmado pelo 11 de setembro

"A história provou que eu tinha razão"

DA REDAÇÃO

Em 1993, Samuel P. Huntington publicou "O Choque das Civilizações". Nele, dizia que o mundo se dividia em civilizações fundadas em diferenças culturais de longa duração -o cristianismo ocidental, o ortodoxo, o islamismo e as regiões confuciana, japonesa, hindu, budista, africana e latino-americana. Depois do fim da Guerra Fria, a ideologia e a política deixariam de causar conflitos internacionais, e a tensão se daria a partir dessas divisões culturais.
Desde 11 de setembro de 2001, Huntington não pára de ser discutido e questionado acerca de sua teoria, tida, para alguns, como profética em relação aos atentados e à guerra ao terrorismo, que se seguiu depois. À Folha, ele lamenta o fato de a história ter "confirmado" sua argumentação e falou de "A Cultura Importa". (SYLVIA COLOMBO)
 

Folha - O episódio do 11 de setembro provou que a cultura, hoje em dia, importa cada vez mais?
Samuel Huntington -
O 11 de setembro reforça a percepção das pessoas sobre o grande impacto da cultura nas relações internacionais. O episódio certamente dramatizou seu significado -e da religião em particular- para o mundo de hoje. Tivemos recentemente vários exemplos de confrontações que têm, em alguma medida, uma base cultural muito forte, como a segunda Intifada e as tensões entre Paquistão e Índia.

Folha - Desde 11 de setembro, sua tese do choque das civilizações tem sido amplamente citada. Acha que a idéia geral foi banalizada? Desde então, mudou algo em sua maneira de ver a questão?
Huntington -
Não acho que tenha sido banalizada, mas algumas pessoas passaram a interpretá-la de forma muito mecânica. Sobre minha maneira de pensar, há algumas coisas que mudaram. Mas, infelizmente, os acontecimentos provaram que aquela análise tinha grande parcela de verdade.

Folha - O sr. diz que grandes traumas podem transformar a cultura política de um país e nos dá o exemplo de Alemanha e Japão depois da Segunda Guerra. Na América Latina, vivemos uma sequência de traumas (ditaduras, golpes, caos econômicos etc.). Ainda assim, nossa cultura política ainda carrega vícios herdados do passado -clientelismo, corrupção etc. Como o sr. explica isso?
Huntington -
Nenhum desses traumas que você mencionou pode ser comparado ao drama por que passaram países que perderam a guerra. Não estou minimizando os efeitos das ditaduras na vida das populações latino-americanas, mas acho que não foram o suficiente para causar um impacto que levasse à reflexão e à transformação cultural necessária à sociedade e a seus governantes.
O argentino Mariano Grondona, no texto que está no livro, diz que a Argentina viveu momentos terríveis, primeiro durante a ditadura, com as mortes de milhares de pessoas, depois com a hiper-inflação, o crescimento da dívida etc. e que isso estaria fazendo com que os argentinos reformassem sua maneira de conduzir o país.
Realmente, no meio dos anos 90, a Argentina melhorou e fez reformas, no começo do governo Menem, quando dolarizou sua moeda etc. Só que isso só durou pouco mais de cinco anos. Talvez a Argentina ainda precise de uma catástrofe maior para mudar sua cultura política. Não estou recomendando isso, é claro.

Folha - Ou seja, a única maneira de reformar a cultura política, em países como Brasil e Argentina, por exemplo, que passam por uma aguda crise econômica, seria aguardar uma catástrofe maior ou, como o sr. diz no livro, depender da ação de uma liderança política?
Huntington -
Exatamente, essa é a segunda possibilidade que costumo apontar. Liderança política pode reconduzir um país, ultrapassando as barreiras da tradição. Pode introduzir novas formas de educação, aprimorar instituições, estimular o trabalho, a honestidade e fazer com que as pessoas poupem e invistam.

Folha - Nas últimas duas décadas, os países latino-americanos têm se democratizado. Ainda assim, os problemas pelos quais atravessam seguem sendo graves e pesquisas indicam que cada vez mais pessoas se desapontam com a democracia. Por quê?
Huntington -
Não sou pessimista em relação à América Latina, acho que vocês têm se desenvolvido muito, política e economicamente. Ainda que a crise econômica tenha se agravado de meados dos anos 90 para cá, é fato que a América Latina progrediu, se olharmos de um ponto de vista histórico. O Brasil é um exemplo, ao lado do Chile. É verdade que outros não, como a Venezuela, que está descendo ao inferno.


A CULTURA IMPORTA. De: Lawrence E. Harrison e Samuel Huntington. Editora: Record. Quanto: R$ 48 (460 págs.).


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