São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ERUDITO

Concerto comandado pelo maestro John Neschling teve Villa-Lobos, Jacob do Bandolim e Brahms

Grandeza da Osesp em Nova York só será medida mais tarde

ARTHUR NESTROVSKI
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

A dimensão real desse concerto só se vai medir daqui a algum tempo: em meses, ou anos. Quando o maestro Neschling voltou pela quinta vez ao palco, suado e desgrenhado, com a linda orquestra de frente para a platéia e as mil e tantas pessoas que enchiam o Avery Fischer Hall, em Nova York, anteontem, aplaudindo de pé e pedindo bis, a impressão que se tinha era de que a Osesp havia dado início, ali mesmo, a outro ciclo de vida.
E como ela representa, hoje, a música brasileira, ao que parece somos todos nós que, nalguma medida, temos vida nova pela frente.
Que o bis tenha sido o "Prelúdio" das "Bachianas Brasileiras nš 4", de Villa-Lobos (1887-1959), fazia, então, todo sentido. Não apenas porque é uma peça tão conhecida do repertório pouco conhecido da nossa música, mas também porque:
1) as cordas mereciam este presente, depois do que fizeram no Brahms;
2) o programa abriu com o "Uirapuru", também de Villa-Lobos, e o bis fechava, portanto, o círculo simbólico da tarde, já tão cheia de símbolos.
O próprio "Uirapuru" carregava sua massa de alusões. Foi a mesma peça que a Osesp tocou no histórico concerto em Buenos Aires, há dois anos, ponto alto de sua primeira viagem internacional, pela América Latina.
E se naquela ocasião já se encenava a reinvenção de Villa-Lobos como grande compositor -depois de décadas sem uma orquestra que lhe fizesse justiça-, esse "Uirapuru" agora, no Lincoln Center, foi como o rito de passagem dos nossos índios de fraque, assumindo deveres e direitos da vida adulta.
Levou alguns minutos, três ou quatro. Depois, aconteceu. A música passou para outro estágio. Lindos solos de Bridget Bolliger (flauta) e do spalla Cláudio Cruz, em particular.
Depois disso, com a orquestra senhora da sala, foi a vez dos irmãos Assad solarem o "Concerto para Dois Violões, Cordas e Percussão" de Marlos Nobre (1939). Solaram com a fluência e entrosamento de sempre.
E, como sempre, foram prejudicados pela amplificação. Na Sala São Paulo, não se escutava os violões. Aqui, ouvia-se bem -mas com timbres falsos (segunda e terceira cordas transfiguradas). A música, de sua parte, faz o que pode, para se sustentar na vizinhança grandiosa de Villa-Lobos e Brahms.
Um arranjo incrível de "Noites Cariocas" (Jacob do Bandolim), no bis, com os violões à toda, serviu para encerrar as brasilidades explícitas.
Segunda parte: a "Segunda Sinfonia" de Brahms (1833-97). Não é o que se espera de uma orquestra brasileira. Mas John Neschling só cresce nessas horas de perigo. Regendo assim, com o mundo e Brahms por testemunha (e os críticos nova-iorquinos?), entrou de corpo inteiro na música e fez a Osesp tocar com uma vibração nova.
As coisas foram de bom para melhor e de melhor para excelente, até o exuberante "Allegro con Spirito". Muito espírito -e é mesmo o que se espera, agora, de uma orquestra brasileira digna do nome.
Resumo do ovacionado concerto: uma grande orquestra brasileira. O que fizer daqui para a frente vai definir muita coisa, mas o que já fez define o que nós somos. Para os outros e para nós mesmos, na Sala São Paulo ou na Broadway iluminada, depois da bênção da chuva leve, no fim da tarde de domingo.


Avaliação:     

O jornalista Arthur Nestrovski viajou a convite da Osesp.



Texto Anterior: Crítica: Teresa se apresenta como herdeira
Próximo Texto: Livro: Obra glamouriza novelas da Globo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.