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JORNALISMO
Obra que aborda a implantação do Projeto Folha é relançada com capítulo inédito sobre os atuais desafios editoriais
Novo "Mil Dias" atualiza rumos da imprensa
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
EDITORA DE TREINAMENTO
Tal como a coruja da filosofia
clássica, que levanta vôo apenas
ao entardecer, a história da imprensa profissional e independente no Brasil se consuma apenas quando o jornalismo parece
viver uma crise final? Parece ser a
questão que recoloca o jornalista
Carlos Eduardo Lins da Silva com
a reedição de "Mil Dias", a história da grande transformação do
jornalismo da Folha.
Seu autor é um narrador privilegiado: foi um dos executivos condutores do processo liderado pelo
diretor de Redação Otavio Frias
Filho, recém-empossado em
1984, data a partir da qual são
contados os primeiros mil dias do
Projeto Folha -uma política editorial independente e formas racionais de trabalho que influenciaram a imprensa do país.
O livro detalha essa história desde a gestação do projeto, quando
a empresa é comprada por Octavio Frias de Oliveira em 1962 e
passa por modernização em vários níveis -financeiro, empresarial, industrial-, até 1987,
quando os movimentos mais radicais estão concluídos e o jornal
começa a corrigir sua trajetória.
Não é um relato emotivo ou
"romanceado" como "O Reino e
o Poder" (história do "New York
Times" contada por Gay Talese),
adverte o autor no novo prefácio
-na verdade um novo capítulo
de 23 páginas em que Lins da Silva
atualiza a discussão sobre o papel
e as perspectivas da imprensa.
Em longos trechos, de fato, a
narrativa mantém-se desapaixonada, "limpa", mesmo quando
trata de crises como a que levou
65% dos jornalistas da Folha,
dentre os quais editores e repórteres especiais, a protestar em 1985
contra a maneira pela qual o projeto era implantado, tida como
"burocrática e desumana".
Revolta anticomputadores
Apresentado como tese de livre
docência à Universidade de São
Paulo, o trabalho procurava fazer
uma análise "o mais científica
possível" dos métodos utilizados
para mudar a maneira de fazer
jornal na Folha. Mas é também
uma reportagem minuciosa sobre
um episódio pioneiro, arrojado e
turbulento. Alguns trechos, vistos
agora à distância, chegam a ser divertidos -como a indignação
contra os computadores, em 1983.
O leitor pode se surpreender
com o barulho da reação a princípios fundamentais em qualquer
jornal que se preze: abordagem
crítica, isenção jornalística, correção de erros, padronização do
texto, controle de qualidade. "Mil
Dias", seguindo o projeto editorial que documenta, abre espaço
para os opositores e seus argumentos a cada fase que relata.
O livro que está sendo relançado pela Publifolha tem ainda um
interesse que ultrapassa o do registro historiográfico. Ao discutir
os erros e acertos do Projeto Folha, Lins da Silva enuncia um dos
problemas mais atuais da imprensa. "O jornal diário corre risco efetivo de não sobreviver", escreve no novo prefácio. Para evitar esse fim, diz o autor, é preciso
"arrojo para mudar drasticamente as suas características".
Diagnóstico e prescrição geral
coincidem com fatos e análises
mais recentes. O balanço de 700
jornais americanos de abril a setembro, anunciado na última terça-feira, mostra circulação 2,6%
menor que no mesmo período de
2004. Dos dez maiores, apenas o
terceiro, o "New York Times",
não perdeu leitores: suas vendas
foram de 1,126 milhão de exemplares -aumento de 0,5%.
No Brasil, a circulação caiu de
2000 a este ano, quando a situação
se estabilizou. Mas a competição,
para além do mercado, é pelo
tempo do leitor. Uma pesquisa divulgada há três semanas pela Universidade Estadual Ball (Indiana,
EUA) constatou que o consumidor de mídia americano dedica
12,2 minutos por dia aos jornais
impressos -o número cai para
3,6 minutos para leitores de 25 a
34 anos. O estudo é considerado
pioneiro por acompanhar de perto 400 pessoas durante mais de
5.000 horas, em vez de se basear
em respostas a questionários.
Salvando o jornalismo
"O setor precisa de muitas
idéias loucas", reclama Philip Meyer, professor da Universidade da
Carolina do Norte e autor de "The
Vanishing Newspaper: Saving
Journalism in the Information
Age" (o desaparecimento dos jornais: salvando o jornalismo na era
da informação, publicado em
2004 nos EUA). O consenso acaba
quando se discute como mudar.
Alguns executivos acreditam
que é preciso contemplar os interesses cada vez mais particularistas dos leitores, como auto-aperfeiçoamento profissional, físico,
psicológico e estético, consumo,
lazer, cuidados com a casa.
Já para Lins da Silva, a imprensa
diária só sobrevive se atender
bem à demanda de um público
cada vez mais concentrado numa
elite intelectual e politicamente
bem informada. Nessa direção,
sugere o aprofundamento da cobertura e o aumento da qualidade, ou sofisticação, editorial.
"O "USA Today" [maior jornal
americano, com 2,296 milhões de
exemplares, e um dos inspiradores do Projeto Folha nos anos 80]
adotou reportagens maiores, a
"New Yorker" [revista das mais
prestigiadas no mundo] voltou
aos textos mais longos e o "Wall
Street Journal" [segundo jornal
dos EUA, com 2,084 milhões de
cópias] nunca deixou de tê-los."
Ambos os jornais, no entanto,
perderam circulação nos últimos
seis meses e o "Journal" está adotando nas edições internacionais
o formato tablóide, menor, a
exemplo dos principais jornais ingleses. Menos páginas em tamanho menor também vêm sendo
anunciadas por jornais médios
dos EUA, e alguns já lançam tablóides gratuitos para jovens.
A batalha pelo leitor de sete dias
por semana está perdida, diz Tom
Rosenstiel, autor de um dos mais
discutidos livros sobre a situação
atual da mídia ("Os Elementos do
Jornalismo", lançado no Brasil
em 2003 pela Geração Editorial).
"Pessoas com menos de 35 anos
querem notícias on-line, querem
fazer buscas, ter controle da programação", declarou ao "St. Petersbourg Times". Mas, no levantamento da Ball, jovens de 18 a 24
anos não eram os maiores usuários da internet e raramente a usavam à procura de informação.
Pelo prazer de ler
"Os jornais estão se reinventando", afirma Janet Robinson, presidente da empresa que edita o
"New York Times", em reportagem do próprio jornal. É uma
reinvenção mais difícil que a dos
anos 80, diz Lins da Silva, porque
agora os jornais têm mais a perder. "Mas é ainda mais necessário
agora que os líderes de circulação
façam essa revolução."
A afirmação tem um quê de torcida de um jornalista distanciado
das Redações -ex-diretor-adjunto de Redação da Folha e do
"Valor Econômico", hoje diretor
de relações institucionais da Patri
Relações Governamentais & Políticas Públicas-, mas ainda consumidor intensivo de jornais. No
seu escritório no décimo andar de
um prédio na arborizada av. Nove
de Julho, no Itaim (zona sul), lê
todos os dias seis deles na versão
impressa e mais três ou quatro estrangeiros na versão on-line.
Seu filho adolescente, a quem a
reedição do livro é dedicada, ainda não abre com freqüência o
exemplar do jornal cuja assinatura seu pai lhe deu de presente.
Ainda. "Mil Dias: Seis Mil Dias
Depois" expressa otimismo: "Para meu filho, com a esperança de
que ele também possa usufruir
desse prazer", diz a dedicatória.
Mil Dias: Seis Mil Dias Depois
Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 37 (243 págs.)
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