São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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CINEMA

Convidada do 2º Amazonas Film Festival, antiga musa do cinema italiano relembra parcerias com Visconti e Herzog

"Todos os que amei não estão mais aqui", diz Cardinale

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MANAUS

Pela segunda vez, a atriz italiana Claudia Cardinale, 67, vai embora da Amazônia pensando em voltar. "Acho que ainda venho outra vez", disse a um teatro Amazonas que a aplaudia de pé. A atriz foi homenageada em Manaus pelo 2º Amazonas Film Festival, que terminou na última quinta.
O longa "Fitzcarraldo", que ela filmou na região com Werner Herzog em 1982, foi exibido na mostra. Mas foi um curto e caseiro vídeo com trechos de outros filmes seus que mais a emocionou. "Eu me dei conta de que todas as pessoas que amei não estão mais aqui." Apesar disso, a atriz se comportou como a mais alegre das criaturas. Sempre sorrindo, conversou com todos que se aproximaram e não rejeitou convites para passear na selva nem para se esbaldar na pista de dança, ao lado de um grupo de folclore. Na última terça, ao atravessar o rio Negro de barco, Cardinale falou à Folha. Leia a entrevista.

Folha - A sra. parece ser uma pessoa muito feliz. Como conseguiu atingir a felicidade?
Claudia Cardinale -
Nessa profissão, você tem de ser muito forte interiormente. Do contrário, é devorada; é um ambiente canibalesco. E você perde sua identidade, perde a cabeça e se considera uma diva. Para seguir essa profissão, é preciso ser muito forte e distinguir entre o seu trabalho e a sua vida. Eu sempre fiz essa distinção.

Folha - A sra. se referiu ao ator Klaus Kinski, com quem contracenou em "Fitzcarraldo", como "louco". Qual sua principal memória das filmagens na Amazônia?
Cardinale -
O cinema é aventura, e "Fitzcarraldo" é o verdadeiro cinema da total aventura. Isso significa que foi de uma dificuldade extrema. Éramos poucos no set. Tivemos muitos problemas. O filme começou com [o ator] Jason Robards [1922-2000], mas ele era muito frágil e perdeu a cabeça. Interrompemos o filme e recomeçamos com Klaus Kinski. Ele era totalmente louco. Mas Herzog é um homem que adora as coisas impossíveis. Também gosto disso.

Folha - É o gosto da aventura que a trouxe de volta à Amazônia?
Cardinale -
Quis voltar porque adoro a natureza e a Amazônia. Acho interessante que o mundo fale sobre essa região, e o festival é importante para isso. Por isso vim.

Folha - Qual é a principal mudança no cinema desde o início de sua carreira até hoje?
Cardinale -
Antes era a arte, agora é business. Para mim isso é muito difícil porque fui uma pessoa privilegiada -filmei com os maiores cineastas do mundo. Agora é difícil que eu aceite fazer um filme porque eu sinto: eu sou um animal [cinematográfico].

Folha - Não há mais cineastas com quem a sra. queira filmar?
Cardinale -
Não sei. Eu nunca telefonei para nenhum cineasta. Sempre fui escolhida por eles.

Folha - Entre os grandes mestres com quem a sra. trabalhou, qual é o seu favorito?
Cardinale -
Existem muitos, mas o ponto alto da minha vida foi o encontro com [Luchino] Visconti [1906-1976]. Era um mestre, foi mágico, o encontro fatal, que me ensinou muita coisa.

Folha - Que sensação a sra. teve ao ver o vídeo com trechos de sua carreira?
Cardinale -
Foi muito emocionante porque eu me dei conta de que todas as pessoas que amei não estão mais aqui. É triste. Elas partiram. É duro. Por exemplo, em "Era uma Vez no Oeste" todos partiram -cineasta, ator, não há mais ninguém. Tenho saudades de muitos diretores, como [Federico] Fellini [1920-93], Visconti, [Mauro] Bolognini [1922-2001], e também de atores com quem trabalhei, como Burt Lancaster [1913-94], John Wayne [1907-79] e Rita Hayworth [1918-87].

Folha - A sra. conhece algo da produção recente de filmes da América do Sul?
Cardinale -
Muito pouco, porque os filmes não viajam o suficiente pelo mundo. Mesmo em Paris, hoje, não se vê quase nada do cinema italiano, que, no entanto, está ali do lado. Imagine como é com o cinema da América do Sul, ainda mais difícil. Acho que é preciso voltar a fazer como era antes, quando os filmes estreavam no mundo todo porque eram co-produções entre muitos países.

Folha - A uma diva é indispensável perguntar: qual é seu segredo de beleza?
Cardinale -
Nunca fiz lifting. Tenho uma vida saudável. Como pouco e faço ginástica. Ou então caminho muito. E amo a vida.


A jornalista Silvana Arantes viajou a convite do 2º Amazonas Film Festival

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