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CONTARDO CALLIGARIS
Vida divertida ou vida interessante?
Uma reportagem do
"New York Times" (3 de dezembro) descrevia uma nova moda nos colégios americanos, graças à qual o ensino de ciência está
se tornando curiosamente popular.
Nos EUA, os requisitos mínimos
para o diploma secundário são
bastante livres. Há tempos, para
quem não gosta de estudar química, física ou biologia, existem
matérias alternativas, como a
"ciência da terra" ou a ecologia.
Agora é a vez da "ciência forense", idealizadíssima pelos seriados televisivos, pelo cinema e pelos romances policiais. Assim, em
vez de estudar leis e fórmulas, os
alunos aprendem como determinar a hora da morte considerando o estado de um cadáver (aulas
práticas no necrotério). Familiarizam-se com o microscópio examinando pêlos de possíveis estupradores encontrados no corpo
da vítima. Entendem o que são o
esperma ou o sangue investigando uma hipotética cena do crime.
Nas escolas em que os cursos são
oferecidos, os jovens são entusiastas. Por que bancar o estraga-prazeres?
O fato é que a reportagem me
deixou um mal-estar. Fiquei com
a impressão de que a química, a
física e a biologia estivessem desistindo de ter qualquer apelo
próprio. As formas estabelecidas
da diversão (sobretudo a televisão e o cinema) decidiriam como
e o que podemos aprender. Filosofia, história e inglês (português,
no nosso caso) seriam vítimas do
mesmo processo.
Lembrei-me de conversas recentes com um jovem estudante universitário que (com grande angústia dele e dos pais) quer largar
os estudos ao menos temporariamente. Ele queixava-se de que todos os cursos seriam chatos. "Como assim, chatos?", perguntei.
"Não são divertidos", respondeu.
Estranhei: quem disse que um
curso deve divertir?
Existem ao menos duas antíteses de chato: interessante ou divertido. E elas não se equivalem.
O divertido nos afasta e nos distrai. O interessante nos envolve e
nos engaja. Enquanto os alunos
olham para um passarinho que os
diverte, posso lhes enfiar uma colherada de ciência na boca. Mas
preferiria interessá-los na própria
ciência.
Cuidado: não defendo o valor
do trabalho duro. Aliás, suspeito
que o ideal do "homo faber" seja
uma versão laica do moto monacal "reza e labora". E, se não tiver
para quem rezar, contente-se em
laborar. Deve ter sido promovido,
no começo do capitalismo, pelo
dono de uma tecelagem inglesa
que queria justificar a "nobreza"
da semana de 80 horas e do trabalho infantil.
Mas fui adolescente nos anos
60, a década do triunfo da intimidade e da idéia de que a verdade
que importa é sempre subjetiva.
Consequência: para mim (como
para muitos de minha geração), o
mundo é sempre interessante com
a condição de que a gente se engaje nele. É alienado quem, vítima de poderes escusos ou de fraquezas morais, foge desse engajamento.
A partir dos anos 90, encontro
adolescentes para quem o mundo
parece tolerável apenas se puderem distrair-se dele. E os vizinhos
são frequentáveis à condição de
não se comprometer com eles. O
que era alienação nos anos 60 tornou-se escolha de vida nos 90.
O próprio uso das drogas mudou. Nos anos 60, a maconha e os
alucinógenos eram concebidos
como auxílios para descer "mais
fundo" no autoconhecimento ou
numa pretensa comunhão mística com o mundo. Imaginávamos
que drogar-se fosse uma viagem
iniciática, interior ou para a Índia. O ecstasy dos anos 90, ao contrário, promete um paroxismo de
distração. Serve para clube e música tecno: não fale nada e sacuda-se forte.
Ora, criticar os jovens é quase
sempre uma hipocrisia. Pois, em
regra, o que eles "aprontam" é
apenas a realização de um desejo
dos pais. Melhor, eles realizam o
que conseguem entender ou imaginar das aspirações inconscientes dos adultos.
Portanto, se a escolha da distração é deles, o desejo de distração
deve ser um pouco nosso. Posso
achar surpreendente que meu jovem interlocutor exija cursos divertidos. Mas devo reconhecer
que ele vive num mundo em que
há pedagogos que acham certo
vestir-se de Sherlock Holmes para
ensinar química. Em suma, foram os adultos que, do ideal da
vida interessada e engajada, passaram para o ideal da vida divertida. Os jovens perceberam.
Na sala de espera de meu dentista, folheio a "Caras". Entendo
que muitos gostem de contemplar
os ricos e famosos em suas mansões e festas. Os cínicos dizem que
é saudável: a inveja estimularia a
mobilidade social. Não vou discutir agora. Mas constato e lamento
que, inelutavelmente, os retratados sejam deformados por um
sorriso idiota. A imagem da felicidade proposta se confunde com
um ricto que não é justificado pelas circunstâncias, mas vale como
uma declaração: olhem para nós,
estamos alhures, esquecidos do
mundo e de nós mesmos, nos divertindo.
Em 1938, Huizinga publicou
"Homo Ludens", o homem que
joga, para mostrar que o jogar é
uma dimensão essencial da atividade humana. Estranha premonição, ele previa que, no futuro,
uma cultura da puerilidade impediria adultos e crianças de continuar jogando do único jeito interessante, ou seja, com seriedade.
ccalligari@uol.com.br
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