São Paulo, quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

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"Clube da Esquina" volta em dobro

Álbuns do grupo mineiro, de 1972 e de 78, saem remasterizados, pela primeira vez em uma caixa só

Para Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, críticos rejeitaram o projeto, que seria maior do que o tropicalismo de Caetano

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

A multicolorida capa dá um clima de festão à caixa que, pela primeira vez, reúne os dois discos intitulados "Clube da Esquina". Novamente remasterizados, com um caprichado encarte comum, eles retornam nos 35 anos de lançamento do primeiro, aquele ao qual o adjetivo "revolucionário" parece estar definitivamente colado.
Mas, para Milton Nascimento e cia., a festa não esconde um tom de desabafo: a revolução (não fosse uma) foi feita contra diversos obstáculos.
"Diziam, por exemplo, que eu não podia cantar "Me Deixa em Paz" [Monsueto/Ayrton Amorim], porque os mineiros não sabem cantar samba. Não estavam acostumados com nada.
Viemos com letras e músicas diferentes, com misturas. Não podiam falar: "É isso!", porque era tudo", lembra Milton.
Os "eles" que não cita seriam os críticos de várias ordens, dos puristas do samba aos acadêmicos. Ronaldo Bastos, letrista de seis das 21 faixas do "Clube" de 1972 e seu co-produtor (com Milton), é mais direto.
"O Clube da Esquina nunca foi perdoado por não fazer média com a mídia. Ainda há essa visão de mineirinhos. Fizemos algo moderno. Não a palavra prostituída, mas no sentido de Picasso, Stravinsky, Miles Davis. A linha evolutiva da música brasileira passa muito mais pelo Clube da Esquina do que pela tropicália, que foi bacana, mas durou só um tempo, não tem essa presença histórica que a imprensa dá. E Caetano sabe disso, pois já afirmou que o Clube foi a revolução."
Para Bastos -também diretor de arte da caixa-, a percepção dessa revolução foi prejudicada pelos "chatos" que tentaram fazer do Clube oposição ao tropicalismo. Milton diz que não entendia a distância.
"Eu ouvia a tropicália e pensava: eles estão falando o mesmo que a gente. E [Gilberto] Gil sempre foi o mais fiel a mim, me apoiou desde quando eu fui mostrar minhas músicas à Elis [Regina, em 1965]", conta.

Tudo diferente
Parte das peculiaridades do Clube está na sua ambição com ares de despretensão. Quando Milton propôs à então Odeon (hoje EMI) fazer um álbum duplo, ao lado de um jovem desconhecido chamado Lô Borges e acompanhado por outros anônimos como Beto Guedes, ouviu um sonoro "não".
Mas o produtor Adail Lessa dobrou a empresa, e o resultado foram LPs onde nada era previsível: melodias misturando Beatles, bossa nova e Espanha; letras com imagens originalíssimas de natureza e discretas mensagens políticas; arranjos (de Eumir Deodato e Wagner Tiso) heterodoxos como os -hoje clássicos- de "Cais" e "Um Girassol da Cor do Seu Cabelo".
"Fazendo, a gente não via nenhuma revolução, mas depois percebemos. E demos nosso depoimento político sem sermos do protesto", diz o letrista Fernando Brant.
"Havia um projeto, mas sem manifesto. Era ambicioso com o pé literalmente na estrada.
Foi o primeiro disco em que os elementos estavam postos organicamente, não como citação", diz Bastos. "A grande coisa era o contraste entre as músicas do Milton, marcadas por jazz, bossa nova e africanidade, com as minhas, fortemente influenciadas pelos Beatles", diz Lô Borges.

Caminho inverso
O "Clube da Esquina 2" foi feito em 1978 com outro objetivo: em vez de um pequeno grupo ingressando no mundo, agora o mundo é que era chamado para o grupo. De novos como Flávio Venturini e Boca Livre a consagrados como Chico Buarque e Elis, foi enorme o número de participantes nas 23 faixas -divididas em dois CDs.
João Marcello Bôscoli foi escolhido pelo padrinho Milton para a remasterização em razão do que fizera com o disco de sua mãe, Elis, com Tom Jobim (de 1974). No "Clube da Esquina 2", seu trabalho foi semelhante: abriu os 24 canais e procurou recuperar o som que se ouvia no estúdio, que se perdia nos LPs -por causa, segundo Bôscoli, da má qualidade dos vinis e da limitação dos graves para que as agulhas não pulassem.
Já no "1", só houve remasterização, e não remixagem, porque não havia fita master, apenas todos os sons condensados em dois canais. "Em algum momento do Protools [equipamento que corrige imperfeições de gravação], a emoção das gravações se perdeu. Hoje, gasta-se uma fortuna em técnica e não se consegue o resultado do "Clube'", diz Bôscoli.


CLUBE DA ESQUINA
Artistas:
Milton Nascimento e outros
Gravadora: Nascimento/EMI
Quanto: R$ 90, em média (caixa com três CDs)


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