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"Clube da Esquina" volta em dobro
Álbuns do grupo mineiro, de 1972 e de 78, saem remasterizados, pela primeira vez em uma caixa só
Para Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, críticos rejeitaram o projeto, que seria maior do que o tropicalismo de Caetano
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A multicolorida capa dá um
clima de festão à caixa que, pela
primeira vez, reúne os dois discos intitulados "Clube da Esquina". Novamente remasterizados, com um caprichado encarte comum, eles retornam
nos 35 anos de lançamento do
primeiro, aquele ao qual o adjetivo "revolucionário" parece
estar definitivamente colado.
Mas, para Milton Nascimento e cia., a festa não esconde um
tom de desabafo: a revolução
(não fosse uma) foi feita contra
diversos obstáculos.
"Diziam, por exemplo, que eu
não podia cantar "Me Deixa em
Paz" [Monsueto/Ayrton Amorim], porque os mineiros não
sabem cantar samba. Não estavam acostumados com nada.
Viemos com letras e músicas
diferentes, com misturas. Não
podiam falar: "É isso!", porque
era tudo", lembra Milton.
Os "eles" que não cita seriam
os críticos de várias ordens, dos
puristas do samba aos acadêmicos. Ronaldo Bastos, letrista
de seis das 21 faixas do "Clube"
de 1972 e seu co-produtor (com
Milton), é mais direto.
"O Clube da Esquina nunca
foi perdoado por não fazer média com a mídia. Ainda há essa
visão de mineirinhos. Fizemos
algo moderno. Não a palavra
prostituída, mas no sentido de
Picasso, Stravinsky, Miles Davis. A linha evolutiva da música
brasileira passa muito mais pelo Clube da Esquina do que pela
tropicália, que foi bacana, mas
durou só um tempo, não tem
essa presença histórica que a
imprensa dá. E Caetano sabe
disso, pois já afirmou que o Clube foi a revolução."
Para Bastos -também diretor de arte da caixa-, a percepção dessa revolução foi prejudicada pelos "chatos" que tentaram fazer do Clube oposição ao
tropicalismo. Milton diz que
não entendia a distância.
"Eu ouvia a tropicália e pensava: eles estão falando o mesmo que a gente. E [Gilberto] Gil
sempre foi o mais fiel a mim,
me apoiou desde quando eu fui
mostrar minhas músicas à Elis
[Regina, em 1965]", conta.
Tudo diferente
Parte das peculiaridades do
Clube está na sua ambição com
ares de despretensão. Quando
Milton propôs à então Odeon
(hoje EMI) fazer um álbum duplo, ao lado de um jovem desconhecido chamado Lô Borges e
acompanhado por outros anônimos como Beto Guedes, ouviu um sonoro "não".
Mas o produtor Adail Lessa
dobrou a empresa, e o resultado foram LPs onde nada era
previsível: melodias misturando Beatles, bossa nova e Espanha; letras com imagens originalíssimas de natureza e discretas mensagens políticas; arranjos (de Eumir Deodato e
Wagner Tiso) heterodoxos como os -hoje clássicos- de
"Cais" e "Um Girassol da Cor
do Seu Cabelo".
"Fazendo, a gente não via nenhuma revolução, mas depois
percebemos. E demos nosso
depoimento político sem sermos do protesto", diz o letrista
Fernando Brant.
"Havia um projeto, mas sem
manifesto. Era ambicioso com
o pé literalmente na estrada.
Foi o primeiro disco em que os
elementos estavam postos organicamente, não como citação", diz Bastos.
"A grande coisa era o contraste entre as músicas do Milton, marcadas por jazz, bossa
nova e africanidade, com as minhas, fortemente influenciadas
pelos Beatles", diz Lô Borges.
Caminho inverso
O "Clube da Esquina 2" foi
feito em 1978 com outro objetivo: em vez de um pequeno grupo ingressando no mundo, agora o mundo é que era chamado
para o grupo. De novos como
Flávio Venturini e Boca Livre a
consagrados como Chico Buarque e Elis, foi enorme o número
de participantes nas 23 faixas
-divididas em dois CDs.
João Marcello Bôscoli foi escolhido pelo padrinho Milton
para a remasterização em razão
do que fizera com o disco de sua
mãe, Elis, com Tom Jobim (de
1974). No "Clube da Esquina 2",
seu trabalho foi semelhante:
abriu os 24 canais e procurou
recuperar o som que se ouvia
no estúdio, que se perdia nos
LPs -por causa, segundo Bôscoli, da má qualidade dos vinis e
da limitação dos graves para
que as agulhas não pulassem.
Já no "1", só houve remasterização, e não remixagem, porque não havia fita master, apenas todos os sons condensados
em dois canais. "Em algum momento do Protools [equipamento que corrige imperfeições de gravação], a emoção das
gravações se perdeu. Hoje, gasta-se uma fortuna em técnica e
não se consegue o resultado do
"Clube'", diz Bôscoli.
CLUBE DA ESQUINA
Artistas: Milton Nascimento e outros
Gravadora: Nascimento/EMI
Quanto: R$ 90, em média (caixa com
três CDs)
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