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Ilustrada 50 anos
Nostalgia e autocrítica marcam terceiro debate
Jornalistas enumeram virtudes da Ilustrada dos anos 80, mas lembram defeitos
O clima de nostalgia e de autocrítica em relação à
Ilustrada dos anos 80 dominou o debate "Cultura e Jornalismo", em comemoração dos 50
anos do caderno. No encontro, anteontem, no
auditório do Masp, Matinas Suzuki Jr., que foi editor da Ilustrada nos anos 80, disse que a criatividade e a ousadia eram
valores jornalísticos que, "em algum momento da história recente, passaram a ser incompatíveis com o fazer jornalístico".
Num mea-culpa, ele afirmou que sua geração "ajudou a matar
a crítica", ao fazer do repórter um crítico. Para o colunista da
Folha Ruy Castro, "os jornais que quiserem sobreviver vão
ter de ser surpreendentes, e aí vamos voltar àquela idéia dos
anos 80 de fazer pautas gratuitas". Fórmula que, na visão do
colunista da Folha Marcelo Coelho, esgotou-se. "Há momentos em que não se está só fazendo algo diferente, mas
agredindo. É jogada para vender jornal." Para o editor da
Ilustrada, Marcos Augusto Gonçalves, ocorreu, nos últimos
anos, uma "evidente despolitização" da cultura e do leitor.
DA REPORTAGEM LOCAL
ANOS 80 X HOJE
Matinas - Não acho que o
jornalismo cultural seja pior
hoje do que o que fazíamos
[nos anos 80]. É muito mais difícil fazer hoje, não só por causa
das novas tecnologias, mas
porque a imprensa foi levada
para um lugar da sociedade diferente do nosso tempo, em
que as pessoas reconheciam
um papel na reconstrução da
democracia brasileira. As demandas hoje são muito mais
complexas: os interesses das
pessoas mudaram muito. Estávamos numa situação de ataque, de vanguarda, reconstruindo o Brasil.
O que foi que fez aquela Ilustrada? Primeiro, nossa ignorância, não saber o que se fazia.
Não tínhamos uma formação
melhor. Tínhamos uma oportunidade e uma liberdade grandes. E demos sorte de ter na Redação muita gente boa.
Gonçalves - Você, Matinas,
que foi o grande editor da época, assim como o Caio Túlio
que o antecedeu e eu, que vim a
seguir, nunca tínhamos pisado
numa Redação de grande jornal diário. Hoje, para se chegar
numa posição dessas, é um percurso: você não pega um moleque de vinte e poucos anos para
editar um caderno de cultura.
Coelho - Vai ver que é isso o
que está faltando um pouco:
pegar um cara de 24 anos que
não conheça nada e pôr à frente da Ilustrada. Naquele tempo, o jornalista registrava os
acontecimentos culturais, mas
era também um agente cultural. As pessoas convergiam em
determinados gostos, opções,
num tipo de formação e idade.
Você podia ter essa função de
decretar, como a Ilustrada fazia, o que é bom e o que não é. A
palavra que resume tudo isso é
crítica ao populismo. Extinto
esse período da Ilustrada como arma do seu gosto, o critério passou a ser mais objetivo.
ARROGÂNCIA
Coelho - À medida que a parte de agenda foi sendo trabalhada profissionalmente (o que
é um ganho do jornalismo cultural dos anos 80 para cá), o
trabalho ou a arrogância de escolher -a Ilustrada era acusada de muita arrogância, de ser
muito dona da verdade- acabava sendo uma coisa boa que
se perdeu. Existe uma dose de
subjetividade que não é mais
preenchida. Os debates, as
grandes polêmicas continuam
existindo, mas as brigas culturais que acontecem atualmente
não são mais as nossas. A ligação orgânica que havia entre o
caderno e a modificação na cultura e na política se perdeu.
Castro - Havia na Ilustrada
uma gratuidade que era herança dos jornais do passado, que
não tinham a menor preocupação em dar o noticiário de estréias da semana. Isso era possível porque havia menos coisas para cobrir. O jornal não tinha obrigação de ficar falando
se vai estrear a Madonna amanhã. Faz um mês que toda a imprensa brasileira só fala em
Madonna. Na Ilustrada dos
80, já teriam saído matérias de
gozação com a Madonna.
Coelho - Mas isso dava margem a uma crítica: qual a autoridade que essas pessoas têm
para falar isso? No "Pasquim",
a gratuidade era justificável na
medida em que se estava num
campo sitiado, de ditadura. À
medida que há uma descompressão política, começa a soar
estranho que cinco ou seis pessoas digam isso ou aquilo.
FIM DA OUSADIA
Matinas - Não sei em que
momento do jornalismo brasileiro recente ser criativo e inovador passou a ser incompatível com o fazer jornalístico.
Castro - Fazíamos piada sobre nossos heróis. Se a Madonna tivesse vindo ao Brasil em
83, 84, estaríamos tão indignados com a unanimidade em
torno dela que iríamos achar
um jeito de sacaneá-la.
Matinas - A criatividade era
um valor jornalístico, era um
valor ter idéias, ousar. Quando
você tira isso, evidentemente
que o caderno vai sofrer. Quem
faz jornalismo pensando na
história, em fazer história, faz a
coisa errada. Se aquilo que você
faz funcionar naquele dia, se as
pessoas se deliciarem, cumpriu
a sua missão.
NOSTALGIA DEMAIS?
Coelho - Meu medo é estarmos cada vez mais nostálgicos.
Falamos no abandono da criatividade e do humor, mas também penso se não houve esgotamento do que terminou se
transfigurando em fórmula. Se
formos pensar: "Agora vamos
fazer um texto contra a Madonna". Isso seria típico da
Ilustrada dos anos 80. Tem
um momento em que você está
não só fazendo algo diferente,
mas agredindo. Não acho certo.
É jogada para vender jornal.
Castro - Não. O jornal tem
de ser cúmplice do empresário
da Madonna, do patrocinador?
De repente, ela não tem um
elemento qualquer de ridículo
que possa ser explorado?
Coelho - Acho que tem. A
Folha sempre explorou o deslize, o momento em que pessoa
se contradiz, em que se denuncia o aspecto puramente mercadológico: uma matéria dessas
é um gol. Mas a atitude do jornalista não pode se resumir à
iconoclastia. Faz falta um ângulo interpretativo diferente.
Matinas - Acho que você
tem razão: se você fica só nessa
posição blasée, é uma bobagem. Acho que jornalismo é dar
uma resposta inovadora que
pode aprofundar a questão.
MORTE DA CRÍTICA
Matinas - Há uma coisa em
que nós erramos na nossa geração: nós ajudamos a matar a
crítica. Espaço para a boa crítica sempre tem e sempre terá.
Castro - O repórter tinha
tanta liberdade que podia ser
até crítico do objeto sobre o
qual estava apenas reportando.
Coelho - O contrabando de
opinião na reportagem continua existindo porque se perdeu
o espaço, o poder que havia para a crítica. À medida que você
tem mais crítica no jornal, a
vontade de ter opinião não tem
de se expressar de modo enviesado na reportagem.
Matinas - Acho que a gente
fez um erro de colocar repórteres para serem críticos ao mesmo tempo. O cara entrevistava
o diretor de um filme e depois
ia escrever a crítica. Isso é, no
mínimo, uma relação complicada. A gente deveria ter tentado uma solução, uma fórmula
diferente, porque o crítico tem
de ter independência, mesmo.
CELEBRIDADES
Coelho - Um dos maiores
perigos do jornalismo cultural
tem sido uma confusão entre
comportamento e cultura. As
duas coisas estão sempre ligadas, mas a cultura passou a se
imiscuir de tal modo no cotidiano que hoje você tem artista
que produz uma poltrona e o
filme que também te leva a
consumir um tipo de roupa.
Você tem não só a transformação da obra de arte em mercadoria; ela passa a ser também
um trampolim para novas mercadorias e novos comportamentos.
CULTURA E POLÍTICA
Gonçalves - Acho que havia
uma politização da cultura [nos
anos 80] que hoje não existe
mais. Ter uma visão da cultura
representava uma posição em
relação à política e à própria vida. Sinto que os jovens jornalistas são muito interessados
em se aperfeiçoar, têm muitas
qualidades, mas, naturalmente,
não vêm com uma idéia de militância na cultura. Os critérios
para eleger um assunto oscilam
em torno da relevância histórica ou mercadológica dos produtos culturais. Houve também uma evidente despolitização dos leitores. Há uma demanda sensível por orientação
de consumo e entretenimento.
Como se o leitor cidadão tivesse virado um leitor consumista.
Matinas - A cultura cresce
nos momentos políticos importantes. Quando a política
está diluída, a cultura tende
também a ficar. E o jornalismo
cultural tende a sentir isso.
Coelho - Existe uma despolitização, mas também uma infantilização da cultura, em especial do cinema, que agora é
só para criança. Não tem mais
para adulto. A Ilustrada teve
papel político importante naqueles anos 80, mas também
de despolitização, contra a arte
engajada. Os filmes mais queridos do caderno eram do Coppola, o gênero frio do Wim
Wenders etc. A polêmica toda
era muito quente, mas o gosto
era frio.
INTERNET
Gonçalves - A gente vive um
processo de tranformação bastante profunda com o advento
da internet e novas possibilidade de convergência de linguagens tecnológicas. O desafio do
jornalismo é se apropriar das
novas mídias a partir dessa base de confiança já construída.
Assista ao vídeo do debate
de quarta-feira
www.folha.com.br/083461
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