São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 1998

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LIVRO - LANÇAMENTOS
Antologias refletem poesia dos anos 70 e 90

CARLA DAZZI
da Sucursal do Rio

A ditadura do AI-5 foi substituída pela ditadura de mercado. A informação censurada, substituída pelo excesso de informação. O improviso, pela técnica. Esses são alguns paradoxos observados pela escritora e editora Heloisa Buarque de Hollanda entre as gerações de 70 e 90. Para ela, apesar das diferenças históricas, as duas gerações têm em comum a falta de reconhecimento do público.
Foi por discordar do discurso de que há um vazio cultural que Heloísa acaba de lançar o livro "Esses Poetas - Uma Antologia dos Anos 90" ao mesmo tempo que relança a antologia "26 Poetas Hoje", selecionada por ela em 1976.
"Eu tive uma motivação de mãe para defender meus filhos que são da geração de 90. Essa não é uma geração perdida. É produtiva, competente e agressiva. Não tem nada de passiva", diz Heloisa.
Para ela, a poesia é sintomática. Por ser a produção literária de menor custo e de acesso mais democrático, é também a de expressão mais livre, na qual a preocupação com o mercado é menor.
Heloisa descreve a poesia atual como crítica, ácida, muito culta e de extrema qualidade. Tanto é que para selecionar os autores presentes na antologia dos anos 90, qualidade não foi um critério seletivo.
"Todas as produções dos últimos anos têm qualidade. É uma exigência básica do mercado. O critério que usei foi um certo atrito, poder de resposta que mostrasse que essa não é uma geração lobotomizada, vendida ao consumo", disse.
Heloisa afirma, entretanto, que não buscou definir a geração desta década por meio da poesia. Ela faz questão de destacar que o livro é uma antologia dos anos 90, mas que podem existir outras. Uma das grandes diferenças entre a antologia de 1976 e o lançamento atual é exatamente a despreocupação em traçar um perfil da época. "Hoje eu sei que antologia é uma escolha autoral, injusta mesmo."
Um dos requisitos para a seleção foi que os autores tivessem trabalhos publicados pela primeira vez nos anos 90. Heloisa passou mais de um ano lendo obras completas de cerca de mil poetas contemporâneos. O resultado foi uma primeira seleção de 32 nomes que acabou reduzida aos 22 poetas do livro. Entre eles nomes conhecidos em outras áreas artísticas como o compositor Antonio Cicero e o músico Arnaldo Antunes.
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Judaísmo e homossexualismo

A poesia de 90 é marcada pela pluralidade e pela fragmentação, segundo Heloisa, que destaca as poesias judaica e gay surgidas nos últimos anos. Nelson Ascher e Moacir Amâncio são expoentes da poesia judaica, crítica, culta, na sua avaliação. Heloisa destaca também a poesia gay inventiva e agressiva de Valdo Motta e o lado do lirismo gay da obra de Antonio Cicero.
A poesia negra atual tem conotação diversa da produção anterior. Ricardo Aleixo, na concepção da autora, lida livremente com elementos do candomblé na antologia de 90, sem assumir o papel de vítima. Inventivo, define Heloisa.
Para ela, a fragmentação da poesia atual é um retrato da segmentação do mercado de consumo. "Antes todo mundo era junto no protesto. As vozes não tinham espaço porque tinha uma causa maior. Agora há a possibilidade de experimentação sem culpa, plural."
A poesia dos anos 90, para ela, é antes de tudo sem plataforma nem mesmo literária. Os autores transitam entre o modernismo, concretismo, sem se fixar em um estilo. Podem até ser de oposição, mas sem plataforma. Não existe mais a obrigação de ser contra, como na década de 70 em que todos se uniam contra a ditadura.
Heloisa é fã declarada da poesia atual. "O que falta é uma nova lente para olhar essa geração, uma lente que não seja deturpada por conceitos antigos, que não busque a genialidade e o heroísmo. Hoje, com o excesso de informação, não há preocupação para o novo. Não é isso que se tem que procurar. O sonho acabou", completa.
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Produto dos anos 90

"Esses Poetas - Uma Antologia dos Anos 90", primeiro lançamento da editora Aeroplano, já é em si uma definição da proposta da editora. "Não fizemos um livro e sim um produto", afirma Heloisa, que divide a sociedade da Aeroplano com mais cinco pessoas.
Produto, explica ela, porque foi concebido e realizado integralmente pela editora, com controle da linguagem literária em todas as etapas da produção. O conceito anos 90 fica implícito na apresentação gráfica do livro, na escolha do tema e até no lançamento.
A capa, desenvolvida pelo designer Victor Burton, mistura elementos de best sellers com pocket books, típicos produtos de consumo. Realizada anteontem, a festa de lançamento da editora também pretendeu ser um acontecimento anos 90. Festa lounge (com vários sofás espalhados em um bar desativado do Museu de Arte Moderna, no Rio), com presença de personagens da noite carioca e show dos poetas Wally Salomão e Antonio Cicero, presentes nas antologias de 70 e 90, respectivamente.
A Aeroplano é formada pelos sócios Rui Campos e Roberto Valente (donos da livraria da Travessa), Lúcia Lambert e Silvia Rosalem (que trabalharam anteriormente com Heloisa) e com Lula Buarque de Hollanda (filho de Heloisa), além da própria Heloisa.
A trajetória de Heloisa em direção à Aeroplano começou com a experiência de sete anos à frente da editora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde é professora. Heloisa é especializada nos anos 60 e 70. Ao lado do jornalista Zuenir Ventura, costuma fazer palestras no Brasil e exterior sobre esse período.
Ela é, inclusive, personagem do mais famoso livro de Zuenir, "1968 - O Ano Que Não Terminou". Zuenir transforma o réveillon na casa de Heloisa em um importante acontecimento histórico. Heloisa é jornalista, fez cinema e televisão e se define como apaixonada por poesia. "É a minha mídia", afirma.
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Livro: 26 Poetas Hoje
Organização: Heloisa Buarque de Hollanda
Lançamento: Aeroplano
Quanto: R$ 19,90 (270 págs.)
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Livro: Esses Poetas - Uma Antologia dos Anos 90
Organização: Heloisa Buarque de Hollanda
Lançamento: Aeroplano
Quanto: R$ 23,90 (318 págs.)





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