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LIVRO - LANÇAMENTOS
Antologias refletem poesia dos anos 70 e 90
CARLA DAZZI
da Sucursal do Rio
A ditadura do AI-5 foi substituída pela ditadura de mercado. A informação censurada, substituída
pelo excesso de informação. O improviso, pela técnica. Esses são alguns paradoxos observados pela
escritora e editora Heloisa Buarque de Hollanda entre as gerações
de 70 e 90. Para ela, apesar das diferenças históricas, as duas gerações
têm em comum a falta de reconhecimento do público.
Foi por discordar do discurso de
que há um vazio cultural que Heloísa acaba de lançar o livro "Esses
Poetas - Uma Antologia dos Anos
90" ao mesmo tempo que relança a
antologia "26 Poetas Hoje", selecionada por ela em 1976.
"Eu tive uma motivação de mãe
para defender meus filhos que são
da geração de 90. Essa não é uma
geração perdida. É produtiva,
competente e agressiva. Não tem
nada de passiva", diz Heloisa.
Para ela, a poesia é sintomática.
Por ser a produção literária de menor custo e de acesso mais democrático, é também a de expressão
mais livre, na qual a preocupação
com o mercado é menor.
Heloisa descreve a poesia atual
como crítica, ácida, muito culta e
de extrema qualidade. Tanto é que
para selecionar os autores presentes na antologia dos anos 90, qualidade não foi um critério seletivo.
"Todas as produções dos últimos
anos têm qualidade. É uma exigência básica do mercado. O critério
que usei foi um certo atrito, poder
de resposta que mostrasse que essa
não é uma geração lobotomizada,
vendida ao consumo", disse.
Heloisa afirma, entretanto, que
não buscou definir a geração desta
década por meio da poesia. Ela faz
questão de destacar que o livro é
uma antologia dos anos 90, mas
que podem existir outras. Uma das
grandes diferenças entre a antologia de 1976 e o lançamento atual é
exatamente a despreocupação em
traçar um perfil da época. "Hoje eu
sei que antologia é uma escolha autoral, injusta mesmo."
Um dos requisitos para a seleção
foi que os autores tivessem trabalhos publicados pela primeira vez
nos anos 90. Heloisa passou mais
de um ano lendo obras completas
de cerca de mil poetas contemporâneos. O resultado foi uma primeira seleção de 32 nomes que
acabou reduzida aos 22 poetas do
livro. Entre eles nomes conhecidos
em outras áreas artísticas como o
compositor Antonio Cicero e o
músico Arnaldo Antunes.
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Judaísmo e homossexualismo
A poesia de 90 é marcada pela
pluralidade e pela fragmentação,
segundo Heloisa, que destaca as
poesias judaica e gay surgidas nos
últimos anos. Nelson Ascher e
Moacir Amâncio são expoentes da
poesia judaica, crítica, culta, na sua
avaliação. Heloisa destaca também
a poesia gay inventiva e agressiva
de Valdo Motta e o lado do lirismo
gay da obra de Antonio Cicero.
A poesia negra atual tem conotação diversa da produção anterior.
Ricardo Aleixo, na concepção da
autora, lida livremente com elementos do candomblé na antologia de 90, sem assumir o papel de
vítima. Inventivo, define Heloisa.
Para ela, a fragmentação da poesia atual é um retrato da segmentação do mercado de consumo. "Antes todo mundo era junto no protesto. As vozes não tinham espaço
porque tinha uma causa maior.
Agora há a possibilidade de experimentação sem culpa, plural."
A poesia dos anos 90, para ela, é
antes de tudo sem plataforma nem
mesmo literária. Os autores transitam entre o modernismo, concretismo, sem se fixar em um estilo.
Podem até ser de oposição, mas
sem plataforma. Não existe mais a
obrigação de ser contra, como na
década de 70 em que todos se
uniam contra a ditadura.
Heloisa é fã declarada da poesia
atual. "O que falta é uma nova lente
para olhar essa geração, uma lente
que não seja deturpada por conceitos antigos, que não busque a genialidade e o heroísmo. Hoje, com
o excesso de informação, não há
preocupação para o novo. Não é isso que se tem que procurar. O sonho acabou", completa.
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Produto dos anos 90
"Esses Poetas - Uma Antologia
dos Anos 90", primeiro lançamento da editora Aeroplano, já é em si
uma definição da proposta da editora. "Não fizemos um livro e sim
um produto", afirma Heloisa, que
divide a sociedade da Aeroplano
com mais cinco pessoas.
Produto, explica ela, porque foi
concebido e realizado integralmente pela editora, com controle
da linguagem literária em todas as
etapas da produção. O conceito
anos 90 fica implícito na apresentação gráfica do livro, na escolha
do tema e até no lançamento.
A capa, desenvolvida pelo designer Victor Burton, mistura elementos de best sellers com pocket
books, típicos produtos de consumo. Realizada anteontem, a festa
de lançamento da editora também
pretendeu ser um acontecimento
anos 90. Festa lounge (com vários
sofás espalhados em um bar desativado do Museu de Arte Moderna,
no Rio), com presença de personagens da noite carioca e show dos
poetas Wally Salomão e Antonio
Cicero, presentes nas antologias de
70 e 90, respectivamente.
A Aeroplano é formada pelos sócios Rui Campos e Roberto Valente (donos da livraria da Travessa),
Lúcia Lambert e Silvia Rosalem
(que trabalharam anteriormente
com Heloisa) e com Lula Buarque
de Hollanda (filho de Heloisa),
além da própria Heloisa.
A trajetória de Heloisa em direção à Aeroplano começou com a
experiência de sete anos à frente da
editora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde é
professora. Heloisa é especializada
nos anos 60 e 70. Ao lado do jornalista Zuenir Ventura, costuma fazer palestras no Brasil e exterior
sobre esse período.
Ela é, inclusive, personagem do
mais famoso livro de Zuenir, "1968
- O Ano Que Não Terminou". Zuenir transforma o réveillon na casa
de Heloisa em um importante
acontecimento histórico. Heloisa é
jornalista, fez cinema e televisão e
se define como apaixonada por
poesia. "É a minha mídia", afirma.
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Livro: 26 Poetas Hoje
Organização: Heloisa Buarque de Hollanda
Lançamento: Aeroplano
Quanto: R$ 19,90 (270 págs.)
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Livro: Esses Poetas - Uma Antologia dos
Anos 90
Organização: Heloisa Buarque de Hollanda
Lançamento: Aeroplano
Quanto: R$ 23,90 (318 págs.)
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